23 setembro 2007

O caso do livro no 'index'

por Luis Nassif



A guerra ideológica continua produzindo uma vítima recorrente:a notícia. Digo isso a propósito do artigo de Ali Kamel em "O Globo", reproduzido no "Estadão", desancando o livro "Nova História Crítica, 8ª série" - acusado por ele de doutrinação comunista -, e denunciando o MEC (Ministério da Educação) de distribuí-lo gratuitamente. A denúncia repercutiu na imprensa mundial, de "El Pais", na Espanha, ao "Miami Herald", nos Estados Unidos.
Na verdade o livro foi adotado pelo MEC em 2002, gestão Fernando Henrique Cardoso, e deixou de ser adotado em abril deste ano, gestão Luiz Ignácio Lula da Silva. E Kamel sabia disso.
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Nem a indicação foi culpa de FHC (se é que se pode falar em culpa), nem a desclassificação foi obra de Lula. Kamel sabia que o processo de seleção de livros, pelo MEC, virou uma política de estado, ainda na gestão FHC, e não houve nenhuma modificação que sinalizasse para sua politização.
O sistema de seleção criado virou padrão para muitos países. O papel do MEC é definir um conjunto de universidades que sejam centros de excelência. Depois, cada qual indica professores para analisar as obras. O MEC avalia apenas se há conflito de interesses, se o professor eventualmente tem ligação com alguma editora.
Em seguida, todos são chamados a Brasília e lhes são entregues os livros sem identificação de editora ou autor. As obras recomendadas entram em uma lista do MEC e são apresentadas às escolas, para escolha dos professores.
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O livro em questão entrou para a lista em 2002, devido à avaliação positiva de um professor da UNESP (Universidade Estadual Júlio de Mesquita Neto), ainda na gestão Paulo Renato de Souza. Quem retirou de pauta, na última avaliação, em abril passado, foi a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pois os novos avaliadores entenderam que as ressalvas eram fortes demais para que permanecessem. Nem o MEC interferiu no primeiro movimento, nem interferiu no segundo. A única mudança que fez foi ampliar o número de universidades de quatro para oito. O livro acabou vetado por um avaliador de uma nova universidade incluída na seleção.
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Repito, Kamel sabia disso. Mais. Na seleção de trechos que colocou, do livro, menciona o que considera loas aos regimes comunistas. Mas deixou de fora trechos do livro em que há críticas explícitas ao marxismo, a Stalin e a Mao.
Pior: homem que domina as estatísticas, deixou as ferramentas de lado na hora de analisar as obras colocadas à disposição dos professores. Existem 400 livros didáticos apenas na 4ª e 5ª séries. Não se valeu sequer de amostragem estatística, como, por exemplo, avaliar 20 livros e constatar problemas em parte deles.

17 setembro 2007

As histórias que a RBS não conta

por Marco Weissheimer, do RS Urgente

A RBS iniciou as comemorações de seus 50 anos com pompa, circunstância e uma conveniente dose de amnésia.
O caderno especial publicado nesta sexta-feira, no jornal Zero Hora, omite alguns fatos importantes que marcaram a história e o crescimento do grupo.
Mais do que isso, distorce fatos, em especial aqueles relacionados ao período da ditadura militar. Como a maioria da grande mídia brasileira, a empresa gaúcha apoiou o golpe militar que derrubou o governo de João Goulart.
O jornal Zero Hora ocupou o lugar da Última Hora, fechado pelo regime militar por apoiar Jango. Esse é o batismo de nascimento de ZH.
Como escreveu Eleutério Carpena, em uma edição especial da revista Porém sobre a RBS, "a mão que balança o berço de ZH é da violência contra o Estado Democrático de Direito".
Três dias depois da publicação do famigerado Ato Institucional n° 5 (13 de dezembro de 1968), ZH publicou matéria sobre o assunto afirmando que "o governo federal vem recebendo a solidariedade e o apoio dos diversos setores da vida nacional".
No dia 1° de setembro de 1969, o jornal publica um editorial intitulado "A preservação dos ideais", exaltando a "autoridade e a irreversibilidade da Revolução". A última frase editorial fala por si: "Os interesses nacionais devem ser preservados a qualquer preço e acima de tudo".
A expansão da empresa se consolidou em 1970, quando foi criada a sigla RBS, de Rede Brasil Sul, inspirada nas três letras das gigantes estrangeiras de comunicação CBS, NBC e ABC. A partir das boas relações estabelecidas com os governos da ditadura militar e da ação articulada com a Rede Globo, a RBS foi conseguindo novas concessões e diversificando seus negócios.
Outro fato marcante da história do grupo que não é mencionada no caderno comemorativo é a ativa participação da empresa no processo de privatização da telefonia no RS, durante o governo de Antônio Britto, ex-funcionário da RBS.
Aliás, não só no RS. Segundo pesquisa realizada por Suzy dos Santos (do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Contemporâneas da Faculdade de Comunicação da UFBa e Sérgio Capparelli (do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Fabico/UFRGS) , a RBS esteve presente em praticamente todos os momentos do processo de privatização das telecomunicações no país, durante o governo FHC. O ex-ministro- chefe da Casa Civil do governo FHC, Pedro Parente, assumiria depois um alto cargo na direção da RBS.
Aqui no RS, desde o golpe de 1964, a empresa sempre teve uma relação íntima com os governantes de plantão. Com uma exceção, o governo Olívio Dutra, fustigado desde seu primeiro dia e pintado como um monstro que ameaçava os homens e mulheres de bem do Rio Grande.

Esses fatos você não verá expostos na exposição organizada pela empresa na Usina do Gasômetro (gentilmente cedida pela administração Fogaça) e em nenhum dos veículos do grupo que, nos próximos dias, praticará, à máxima potência, a arte do auto-elogio e da amnésia seletiva...