30 janeiro 2009

De partido político da direita guasca à Disneylândia de bombachas?

Cristóvão Feil, publicado no blog Diário Gauche



Não é de estranhar que o jornal Zero Hora ao falar em Guerra Fria no Rio Grande
esqueça de mencionar que um dos combustíveis do conflito Leste-Oeste foi o anticomunismo.
No RS, hoje, o anticomunismo foi atualizado por um sucedâneo ideológico chamado antipetismo.

O constructo do antipetismo é uma construção puramente mental – a exemplo do anticomunismo – usado com a funcionalidade de impressionar os espíritos simples do senso comum e mobilizar preconceitos e mitos os mais arraigados.

Quando esses elementos primitivos são excitados no fundo escuro de um espírito ingênuo ou mal formado, a razão passa longe e o indivíduo fica dominado por sensações que vão do medo à intolerância mais funda – presa fácil da propaganda mais simplificadora e rebaixada.

O anticomunismo tinha o mesmo efeito que o bicho-papão para as crianças. Ambos não existiam, mas operavam no susto. A velha União Soviética nunca quis exportar a revolução, aliás, um dos motivos pelos quais não se pode chamar aquele falecido regime estatal de comunista ou socialista.

Se o comunismo foi um bicho-papão que não era bicho nem papão, o mesmo se pode dizer do petismo, especialmente na atual fase de descenso e acomodação conciliatória. Como se vê, a RBS usa velhos truques manjados para continuar assustando a população menos atenta com tigres de papel pintado.

O Rio Grande do Sul sempre se notabilizou por ter uma imprensa partidária forte e atuante. Do final do século 19 até boa parte do século 20, o Estado e suas principais cidades do interior ostentaram jornais e publicações identificados com os partidos políticos que faziam o debate público regional.

O castilhismo-borgismo fez a sua revolução burguesa também através das páginas de “A Federação”, bem como os órgãos de imprensa alinhados com os maragatos, ferrenhos opositores dos republicanos sul-rio-grandenses.

A luta das frações de classe burguesa no Rio Grande sempre foi pública e publicada, pelos menos até o advento do golpe de 1964. Com o regime civil-militar golpista houve um rearranjo neste esquema. Os dois principais jornais do RS – Zero Hora e Correio doPovo – modificam a trajetória de alinhamento político da imprensa regional.

O Correio, criado em 1895, surgiu precisamente para quebrar o paradigma de que jornal deveria estar vinculado a partido político, e não se afiliou a nenhuma linha partidária, mas acabou ficando porta-voz do latifúndio e do setor primário em geral. Hoje, completamente desfigurado é apenas uma caricatura do seu passado.

O jornal ZH, do grupo RBS, é criado imediatamente após ogolpe de abril de 1964 e se fortalece à sombra do crescimento da televisão como meio de comunicação de massa no Estado. ZH não tem a mesma origem dos demais órgãos de imprensa do País, cuja personalidade como jornal forjou-se na forma tradicional de fazer diários.

Zero Hora resultou da reciclagem errática de um jornal com opinião política aberta – a Última Hora – e firma-se como órgão de mero apoio comercial à mídia televisão, uma espécie de revista de variedades, com notícias e informações em segundo plano.

Seu criador, Maurício Sirotsky Sobrinho, sempre foi um animador de programas de auditório com afinado instinto comercial, e depois proprietário de rádios, e jamais teve formação de jornalista militante de redações diárias.

Esse é um dos motivos de ZH ser tão pobre em texto e reportagem, as bases são insólitas e não há o menor traço de pedigree jornalístico. Criado e crescido, portanto, na estufa morna da ditadura civil-militar, ZH cultivou hábitos de ocultar sua filiação político-ideológica, preferindo a política da dissimulação e da camuflagem.

Mas isso não significa que não tenha personalidade política e identificação ideológica, ao contrário, não só ZH mas os demais veículos da RBS acabaram ocupando a lacuna funcional dos anêmicos partidos cartoriais do conservadorismo guasca.

Existe alguma ilegitimidade ou ilegalidade nesta representação política delegada da direita? Na origem, nenhuma. O que se contesta é a ocultação permanente desta representação. Aí passa a constituir-se num desvio de função e numa falsidade ideológica (para não falar em constituição de oligopólio de meios de comunicação, que é considerado crime, o qual o MP Federal de Santa Catarina já está investigando) que deve ser reprovada e denunciada todos os dias.

Recentemente, o grupo RBS recebeu aporte de capital do investidor Armínio Fraga, cerca de 4% do seu capital social. Objeto do aporte: tornar um braço do grupo um forte player no ramo do entretenimento de massas no Brasil.

Vê-se que a RBS retorna ao seu leito de origem, como no mito bíblico, o bom filho à casa torna. Maurício Sobrinho, seu fundador, foi um animador de auditório bem sucedido, pois, agora, seus sucessores fazem justiça ao legado do patriarca voltando ao ramo do entretenimento – de onde nunca deveriam ter saído.

Agora, espera-se que dêem o looping negocial: que saiam do ramo partido-político-da-direita-guasca e migrem em definitivo para adotarem o figurino da Disneylândia de bombachas.
Que Ha-shem os ilumine (e Fraga os financie)!

...

Particularmente, a televisão que fazem, penso eu, já é parte muito integrante e totalizante do ramo de diversão de massas do país, os raminhos tipo Planeta Atlântida, vale-panelas de diários, galpões e salas nas praças, em breve Carnaval de Uruguaina, inda vão dar muito fôlego para essa ação empreendedora negocial, diversionista de massas.

Legítimo recurso para ganhar dinheiro, mas nada a ver com função social de informação, seja qual for a orientação ideológica que siga. Distração pura, nada cândida. Legitimado o negócio, pender para uma banda é questão de momento e oportunidade (Adroaldo Bauer).