15 maio 2011

Ana de Hollanda e a banda de sopros de Mairinque

por Oswaldo Mendes *

Havia prometido ficar longe das tertúlias culturais em torno do poder. Porém, o anúncio de uma homenagem a dois amigos que ajudaram a alicerçar o moderno teatro brasileiro – a atriz Lélia Abramo e o diretor e ator José Renato Pécora – me convenceu a ir ao encontro com a ministra Ana de Hollanda, terça-feira, 10 de maio, na Assembleia Legislativa de São Paulo. Sem pressa, cheguei atrasado sabendo que estaria adiantado, pois esses eventos nunca começam na hora. Nunca. Na sala identifiquei poucos amigos do teatro, alguns da música popular, dois ou três da dança e do cinema e muitos outros talentos, jovens e nem tanto, aos quais a minha ignorância ainda não reconhece. Preciso sair mais de casa, conclui sem muita convicção.

Ouvi de alguém que a ministra estava atendendo à imprensa e se atrasaria um pouco. O que me levou a ir fumar na rua, pois na Assembleia não se fuma nem nas vastas áreas abertas. Belo exemplo dos nossos legisladores, que poderia ser aplicado a outros cuidados com a saúde e o bem-estar dos contribuintes e não só aos males do tabaco. Na área externa da sala do evento, os jovens músicos da banda municipal de Mairinque estavam a postos. Sem impaciência, como nós fumantes. Foi o tempo de dois cigarros para a banda começar a sua apresentação, mesmo sem a presença da ministra. Com alguns outros gatos pingados me postei à frente do conjunto de sopros, meninos e meninas na maioria, quase crianças. Talentos anônimos e em formação sempre me emocionam. De repente, fui deslocado do meu lugar privilegiado na pequena plateia por um batalhão de fotógrafos, cinegrafistas, jornalistas, políticos e gente que suponho muito importante e que se acomodou diante da banda, agora cercada de ilustres ouvidos. Suponho ilustres, pois também para identificar celebridades a minha ignorância continua infinita. Flores do pequeno clarinetista para a ministra, aplausos e fotos, muitas fotos. E mais algumas músicas, de hits de Michael Jackson a Adoniran Barbosa. No balanço final, confesso que a banda de Mairinque foi o item que mais me comoveu.

A tarde, entretanto, estava apenas começando. Antes dos finalmentes, fomos submetidos ao enfadonho protocolo, com o locutor oficial desfilando nomes e mais nomes de excelências presentes. Nunca vi tantas excelências em um evento da Cultura (maiúscula ou minúscula?). Raramente, ou nunca, vi uma delas no teatro. Enfim, deram a palavra à ministra. Como prometido, Ana de Hollanda fez rápida menção ao centenário de nascimento da atriz Lélia Abramo e à morte recente de José Renato, criador do Teatro de Arena de São Paulo, espaço sob os cuidados da Funarte e que há tempos não recebe uma temporada regular de teatro – recentemente serviu até para depósito de catálogos da Bienal. Reduziu-se a isso a homenagem a Lélia e Zé Renato que me fez sair de casa. Percebi logo que ninguém, a não ser eu e alguns desavisados, estava interessado em homenagear quem quer que fosse. Farinha pouca, meu pirão primeiro. Essa era a frase que parecia estampada em muitos rostos. Não é de hoje que as questões da cultura (minúscula, de propósito) se reduziram a esse “cadê o meu?” e a uma disputa política, não importa o partido, por um poder que não sei bem qual é.

Espera, acho que sei sim que poder é esse. Ao ouvir tantos discursos, de apoio e de crítica à ministra, alguns até ponderados e razoáveis, fiquei pensando nas razões que colocaram Ana de Hollanda na berlinda tão depressa. Eu a conheço de raros e cordiais encontros no passado. Se a gente se encontrar na rua, certamente ela não me reconhecerá. Portanto, o meu carinho e o meu respeito por ela são gratuitos, muito longe da política e do partido no poder. Desconfio que existe um não declarado pacto entre grandes interesses negociais e pequenas disputas partidárias. As questões da Cultura não têm mais nada a ver com artistas e produtores culturais. O buraco é muito mais embaixo. O tema da discórdia – direitos autorais – não tem a ver com os autores, mas com os que usam a sua obra. Bom não esquecer que a imprensa, aquela que influi e forma a opinião pública, em boa parte pertence ou está associada a empresas de comunicação de grande porte, muito sensíveis à questão dos direitos autorais. Logo, é possível questionar, sim, a sua isenção. Basta ler o noticiário do dia seguinte ao evento na Assembleia em São Paulo.

Não li uma linha sobre a banda de Mairinque, a pífia homenagem a Lélia e ao José Renato ou os discursos ouvidos e respondidos pela ministra – fatos que, como cidadão e ex-jornalista, testemunhei. Li apenas, e isso não testemunhei nem a maioria dos presentes, que Ana saiu escoltada do recinto. Com direito a uma foto em que ela parece esconder o rosto. Ora, esconder o rosto pra quê e de quem? Isso a legenda não explica. Mas uma foto vale mais que mil palavras – não é o que ainda se ensina nas escolas de jornalismo e nas redações? Está na hora de a imprensa – e os seus profissionais – despir-se de seu manto de vestal. Sempre desconfiei dos que usavam, e usam, a defesa da liberdade de imprensa para encobrir os interesses da empresa jornalística. A liberdade de imprensa só se sustenta se amparada no direito à informação, que diz respeito a toda sociedade e a cada cidadão. Não faltam exemplos do exercício da censura pela imprensa (ou, se quiserem, das empresas jornalísticas) a informações de interesse público. Mas essa é outra história e, antes que se insinue o contrário, sou contra qualquer controle e restrição à liberdade de quem quer que seja, incluída a imprensa, além dos limites fixados em lei – como a restrição à minha liberdade de fumar em recintos ou áreas públicas, restrição que lamento mas acato sem espernear.

Resumo da ópera: é preciso ler o que está no avesso desse noticiário sobre a corda bamba em que vive Ana de Hollanda. Por que, de repente, o Ministério da Cultura recebe tanta atenção, até de articulistas sem nenhum histórico de preocupação com os temas relevantes da área? Política? Não. Como diria Bill Clinton (foi ele mesmo quem disse?): é a economia, seu idiota! É a economia! Isso vale tanto para os que correm o pires, catando as migalhas do orçamento do Ministério, como para os que têm grandes negócios e interesses em vista. E no meio do fogo cruzado, Ana ainda leva cotoveladas partidárias dos companheiros que se sentem ameaçados.


_________
* Oswaldo Mendes é ator, diretor e autor de teatro, atualmente em cartaz no elenco de “12 homens e uma sentença”, no Teatro Imprensa, em São Paulo.







Aproveitamos também para repassar o convite da Cecilia para assistir a estréia de seu filho Flavio Guarnieri em ELES NÃO USAM BLACK-TIE


11 maio 2011

Privilégios do império




Estudo de capa para O Império Bandido. de Adroaldo Bauer Spíndola Corrêa
   por Juremir Machado da Silva


O Império pode tudo.

Ainda mais quando a causa é "boa".

Pode obter informações sob tortura.

Pode manter prisioneiros sem julgamento.

Pode invadir um país soberano.

Pode executar seu inimigo desarmado em vez de prendê-lo.

Pode desaparecer com o corpo e não apresentar provas do seu ato.

Pode selecionar ditaduras a serem combatidas.

Pode aliar-se com ditaduras "razoáveis".

O Império está acima do bem e do mal.

Acima dos acordos internacionais.

Acima da norma.

Para alcançar seus fins, pode cometer infrações graves ao direito internacional.

O Império não tem limites.

Para o Império não existe soberania nacional inviolável.

O Império é o Bem.

O Bem do Império.

O resto é figurante.

05 maio 2011

Histórias da Carochinha, Chapéuzinho Vermelho e Alice no País das Maravilhas

A barbárie e a estupidez jornalística no caso da morte de Bin Laden


4/5/2011 10:06,
Por Elaine Tavares

Imaginem vocês se um pequeno operativo do exército cubano entrasse em Miami e atacasse a casa onde vive Posada Carriles, o terrorista responsável pela explosão de várias bombas em hotéis cubanos e pela derrubada de um avião que matou 73 pessoas. Imagine que esse operativo assassinasse o tal terrorista em terras estadunidenses. Que lhes parece que aconteceria? O mundo inteiro se levantaria em uníssono condenando o ataque.

Haveria especialistas em direito internacional alegando que um país não pode adentrar com um grupo de militares em outro país livre, que isso se configura em quebra da soberania, ou ato de guerra. Possivelmente Cuba seria retaliada e, com certeza, invadida por tropas estadunidenses por ter cometido o crime de invasão. Seria um escândalo internacional e os jornalistas de todo mundo anunciariam a notícia como um crime bárbaro e sem justificativa.

Mas, como foi os Estados Unidos que entrou no Paquistão, isso parece coisa muito natural. Nenhuma palavra sobre quebra de soberania, sobre invasão ilegal, sobre o absurdo de um assassinato. Pelo que se sabe, até mesmo os mais sanguinários carrascos nazistas foram julgados. Osama não. Foi assassinato e o Prêmio Nobel da Paz inaugurou mais uma novidade: o crime de vingança agora é legal. Pressuposto perigoso demais nestes tempos em que os EUA são a polícia do mundo.

Agora imagine mais uma coisa insólita. O governo elege um inimigo número um, caça esse inimigo por uma década, faz dele a própria imagem do demônio, evitando dizer, é claro, que foi um demônio criado pelo próprio serviço secreto estadunidense. Aí, um belo dia, seus soldados aguerridos encontram esse homem, com toda a sede de vingança que lhes foi incutida. E esses soldados matam o “demônio”. Então, por respeito, eles realizam todos os preceitos da religião do “demônio”. Lavam o corpo, enrolam em um lençol branco e o jogam no mar. Ora, se era Osama o próprio mal encarnado, porque raios os soldados iriam respeitar sua religião? Que história mais sem pé e sem cabeça.

E, tendo encontrado o inimigo mais procurado, nenhuma foto do corpo? Nenhum vestígio? Ah, sim, um exame de DNA, feito pelos agentes da CIA. Bueno, acredite quem quiser.

O mais vexatório nisso tudo é ouvir os jornalistas de todo mundo repetindo a notícia sem que qualquer prova concreta seja apresentada. Acreditar na declaração de agentes da CIA é coisa muito pueril. Seria ingênuo se não se soubesse da profunda submissão e colonialismo do jornalismo mundial.

Olha, eu sei lá, mas o que vi na televisão chegou às raias do absurdo. Sendo verdade ou mentira o que aconteceu, ambas as coisas são absolutamente impensáveis num mundo em que imperam o tal do “estado de direito”. Não há mais limites para o império. Definitivamente são tempos sombrios. E pelo que se vê, voltamos ao tempo do farwest, só que agora, o céu é o limite. Pelo menos para o império.

Darth Vader é fichinha!