31 maio 2010

FORD É CONDENADA A INDENIZAR O RIO GRANDE DO SUL

A ação ordinária ajuizada pelo Estado do Rio Grande do Sul contra a Ford Brasil Ltda recebeu sentença favorável, condenando a empresa a indenizar o Estado e reconhecendo o rompimento contratual por parte da montadora. O maior imbróglio vivido pelo mandato de Olívio Dutra como governador toma, a partir da decisão judicial, de dezembro de 2009, nuances distintas em relação à época da saída da Ford do estado e sua instalação na Bahia. Já houve apelação por parte da empresa e a decisão, portanto, não é definitiva.

No documento, o Estado alega que havia celebrado com a Ford um contrato de implantação de indústria, acompanhado de 49 anexos, em data de 21/03/1998. Havia também um contrato de financiamento com o Banrisul, disponibilizando à empresa a quantia de R$ 210.000.000,00, liberado em três parcelas, de acordo com cronograma acordado entre as partes.

Na época, o governo noticiou que a primeira parcela havia sido liberada, ficando o acesso às demais condicionada à comprovação da vinculação dos gastos das parcelas anteriores à execução do projeto. Diz a ação que o Estado, no início de 1999, frente ao conjunto de obrigações assumidas no contrato, procurara, amigavelmente, rever algumas cláusulas que considerava nulas e prejudiciais ao patrimônio público.

Ainda segundo o documento, no final de março de 1999, a montadora estava ciente de que deveria prestar contas, e apresentou grande quantidade de documentos e um rol de alegados gastos com o programa Amazon, relativos ao período de julho de 1997 a março de 1999, os quais foram remetidos à contadoria da Auditoria Geral do Estado (CAGE), que concluiu que a comprovação era insuficiente. Antes mesmo da conclusão dos trabalhos da CAGE, a Ford já havia se retirado do empreendimento por iniciativa própria, anunciando a ida para a Bahia, sem encerrar tratativas oficiais com os representantes do Poder Público Estadual no RS.

“A Ford, consoante supramencionado, quando notificou o Estado de que estava desocupando a área onde seria implantada a indústria e sustentou, equivocadamente, o descumprimento do contrato pelo Estado que negava-se a repassar a segunda parcela do financiamento, indiscutivelmente tornou-se a responsável pela rescisão contratual. Diz-se equivocadamente, porque estava o Estado amparado nas disposições contratuais quando negou o repasse da segunda parcela do financiamento, em face da já mencionada pendência da prestação de contas pela FORD, daqueles valores repassados, concernente à primeira parcela do financiamento”, diz o documento.

Segundo matéria do jornalista Fredi Vasconcelos publicada na Revista Fórum em 2008, o custo da disputa para tirar a fábrica do Rio Grande do Sul vinha sendo revelado aos poucos, já que as negociações foram secretas, sem nenhuma participação da sociedade. O contrato original fechado pela Ford com o então governador Antonio Britto para a construção da fábrica previa o repasse de 419 milhões de reais (234 milhões em obras de infra-estrutura, 185 milhões em financiamento de capital de giro e concessão de créditos de ICMS). Algo parecido com os incentivos dados para a fábrica da General Motors, que acabou sendo construída no Rio Grande do Sul.

Quem levou a Ford para a Bahia?

O prazo do Regime Automotivo Especial para serem concedidos novos incentivos fiscais às montadoras no Nordeste havia terminado em maio de 1997. O Jornal Gazeta Mercantil, de 21 de outubro de 2001, afirmou: "O fato porém, é que a Bahia não mais contava, naquele momento, com condições de atrair uma montadora de automóveis"; e: "para viabilizar a instalação da Ford na Bahia, o deputado federal Jose Carlos Aleluia (PFL-BA), relator da MP 1740, que tratava de ajustes no sistema automotivo brasileiro, incluiu no documento a prorrogação, por alguns meses, da vigência do Regime Especial do Nordeste". Foi aprovado o projeto por voto simbólico das bancadas, transformando-se em lei, no dia 29 de junho de 1999.

O jornal Gazeta Mercantil também revelou que o então secretário executivo do Ministério da Fazenda, Pedro Parente, outro tucano, foi decisivo para garantir a Ford na Bahia. A versão, repetida à exaustão na época pela oposição ao governo de Olívio Dutra, de que ele era o responsável pela perda da montadora não resiste a uma mínima pesquisa histórica a respeito do fato.

O então secretário de governo José Luiz Moraes, que participou das negociações de revisão dos contratos, disse na época que desde o início a Ford foi intransigente. “No primeiro encontro, o negociador designado já chegou dizendo que não estava autorizado e não tinha delegação para conversar”, declarou à época em entrevista ao jornal Extra Classe. Moraes, que faleceu em março de 2009, revelou que na proposta final do Rio Grande ficavam mantidos os incentivos fiscais e investimento de 70 milhões de reais em recursos, mais 85 milhões em obras, o que daria cerca de 255 milhões de reais. Além de 75 milhões que seriam investidos no porto de Rio Grande. Moraes afirmava também que o desinteresse da Ford se deveu muito à mudança do mercado brasileiro, em que havia a perspectiva de produzir e vender de 3,5 milhões a 4 milhões de carros, o que não aconteceu.

Leia trecho do documento:
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a Ação Ordinária ajuizada pelo Estado do Rio Grande do Sul contra a FORD Brasil Ltda. para o efeito de DECLARAR RESCINDIDO o contrato celebrado entre as partes objeto da presente demanda, por inadimplemento contratual da ré e CONDENAR a ré na restituição ao autor dos seguintes valores:
R$ 42.000.000,00 ( quarenta e dois milhões de reais), que deve ser corrigido pelo IGPM a contar de 23/03/1998 e acrescido de juros legais de 6% ao ano a contar da citação até a entrada em vigor do novo Código Civil, em 10/01/2003, e de 12% ao ano a contar de tal data, do qual deve ser abatido o valor de R$ 6.349.768,96 ( seis milhões, trezentos e quarenta e nove mil, setecentos e sessenta e oito reais e noventa e seis centavos), atualizado pelo IGPM a contar de 1º/11/2001; R$ 92.100.949,58 ( noventa e dois milhões, cem mil, novecentos e quarenta e nove reais e cinquenta e oito centavos), a ser corrigido pelo IGPM a contar da data de cada apropriação conforme planilha apresentada pelo perito contábil na fl. 2089, e acrescido de juros legais de 6% ao ano a contar da citação até a entrada em vigor do novo Código Civil, em 10/01/2003, e de 12% ao ano a contar de tal data; e R$ 32.989,60 ( trinta e dois mil, novecentos e oitenta e nove reais e sessenta centavos), atualizado pelo IPGM a contar da data do ajuizamento do pedido e acrescido de juros legais de de 6% ao ano a contar da citação até a entrada em vigor do novo Código Civil, em 10/01/2003, e de 12% ao ano a contar de tal data.

Considerando a sucumbência recíproca, arcará o autor com as custas no percentual de 10% e a ré, com o restante.

Condeno, ainda, o autor, no pagamento de honorários advocatícios em favor do procurador da ré, que fixo em R$ 5.000,00 ( cinco mil reais), e a ré, no pagamento de honorários advocatícios ao procurador do autor, que arbitro em R$ 35.000,00 ( trinta e cinco mil reais), observada a natureza da causa, o tempo que tramita o feito e o trabalho desenvolvido, com compensação.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Porto Alegre, 15 de dezembro de 2009.


Lílian Cristiane Siman, Juíza de Direito



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Sul21,  Clarissa Pont

24 maio 2010

Os desejos virulentos da antiga imprensa brasileira

por Marco Aurélio Weissheimer.

Editorial de Carta Maior


Esta semana reforçou a percepção de que a chamada

grande imprensa brasileira - ou antiga imprensa, como

afirma, entre outros, o cineasta Jorge Furtado - está

não apenas desempenhando o papel de uma "oposição

fragilizada", mas também defendendo, sem mediações

ou sutilezas, os interesses da política externa dos

Estados Unidos. Estariam fragilizados também estes

interesses? Em um certo sentido, sim. A iniciativa do

governo brasileiro, em conjunto com o governo da Turquia, de

buscar uma solução negociada para a crise nuclear

envolvendo o Irã mostrou que é possível outro caminho

do que aquele das "guerras preventivas", dos

"bombardeios cirúrgicos", do "choque e do pavor".

O presidente Lula, representando o Estado brasileiro, fez um

movimento ousado e corajoso. E acertou em cheio.

Nas horas seguintes aos primeiros anúncios do acordo,

começaram a surgir vozes e textos tentando diminuir ou

simplesmente desqualificar o feito alcançado. A pressa é

compreensível. Dias antes, o pré-candidato do PSDB à

presidência da República, José Serra, havia dito

durante uma entrevista em Porto Alegre, que jamais receberia

ou se reuniria, caso fosse eleito, com o presidente do

Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Além da postura submissa às

ordens que o Departamento de Estado norte-americano ainda

insiste em querer ditar o mundo, a declaração de Serra

mostrou a pequenez do horizonte de visão do postulante ao

cargo mais importante da República brasileira e um dos

mais importantes hoje para todos os países que apostam na

desmilitarização da agenda política das nações.

Ao caminhar na direção oposta daquela defendida por

Serra, Lula mostrou coragem pessoal, ousadia estratégica

e, acima de tudo, compromisso com a construção de um

mundo onde os conflitos e diferenças sejam resolvidos

através da conversa e das negociações - que podem,

sim, muitas vezes, ser exaustivas e mesmo pouco frutíferas

no curto prazo - ao invés da solução eficiente da

morte e da destruição. Eficiente para quê? - cabe

perguntar. Não certamente para a vida de milhões de

pessoas que pode ser salva em função de uma dessas

conversas complicadas que algumas pessoas preferem não

ter. A omissão e a covardia andam de mãos dadas com a

impossibilidade de se dizer abertamente o que se está

pensando.

Isso ficou muito claro no discurso de vários articulistas

da imprensa nacional, preocupados em desdobrar a fala de

Serra. Na verdade, a crítica principal dirigida a Lula era

a crítica a iniciativa de ir conversar com Ahmadinejad.

Como assim? Quem esse sujeito (o presidente da República,

no caso) pensa que é? Quem o Brasil pensa que é? Não

foi por acaso que a repercussão do acordo na imprensa

internacional foi maior e mais positivo do que no Brasil. A

diferença de horizonte só expõe o tamanho, a qualidade

da visão e o compromisso de quem fala. Mas, se a visão

é curta, por um lado, é crescentemente virulenta, por

outro. E o grau dessa virulência parece ser proporcional

aos acertos do governo brasileiro. Dois dias após o

anúncio do acordo, o jornal Zero Hora comemorava com um

destaque de capa: "EUA atropelam acordo de Lula". O

desejo virulento do atropelamento pelo menos foi

transparente quanto ao alvo: o Lula. É disso que se trata.

Há outros pressupostos neste discurso de submissão a um

passado recente quando o Brasil e a América Latina sabiam

qual era o seu lugar.

14 maio 2010

"Consumo dos pobres ajudou país a enfrentar crise dos ricos"

Em discurso proferido na abertura do Diálogo Brasil-África sobre Segurança Alimentar, Combate à Fome e Desenvolvimento Rural, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou a contribuição das políticas sociais do governo brasileiro no enfrentamento da crise econômica internacional. "O dado concreto é que passados alguns anos veio a crise econômica mundial e ficou provada uma coisa, para que os pesquisadores publiquem por muito tempo: foi a capacidade de consumo dos pobres que fez a economia brasileira resistir à crise dos países ricos", disse Lula.

Redação Carta Maior

No dia 10 de maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a realização da reunião Diálogo Brasil-África sobre Segurança Alimentar, em Brasília, para fazer um balanço das políticas sociais implementadas pelo governo brasileiro nos últimos anos. Lula falou sobre as dificuldades, resistências e preconceitos enfrentados no início e sobre como os resultados de hoje mostram o acerto do caminho adotado. Após receber o prêmio da ONU “Campeão do Mundo na Batalha Contra a Fome”, o presidente lembrou que foi o consumo das classes menos favorecidas um dos responsáveis pelo fortalecimento da economia nacional, que se descolou do cenário internacional e sofreu menos com os efeitos da crise econômica mundial.

“A classes D e E do Norte e do Nordeste consumiram mais que as classes A e B do Sul e Sudeste, ou seja, os pobres foram à luta para comprar. (…) O que nós fizemos foi garantir um pouquinho para muita gente. E os pobres, que antes ficavam à margem, viraram gente de classe média e compraram coisas que só parte da classe media podia comprar”, destacou Lula. O presidente resumiu assim as dificuldades enfrentadas no início da implementação de programas como o Bolsa Família:

"Tinha gente que falava assim para mim: “Por que o presidente Lula vai criar o programa Fome Zero, gastar R$ 12 bilhões se isso daria para fazer pontes, fazer estradas?” Na verdade, daria para fazer pontes e fazer estradas. Mas naquele momento, o mais importante do que uma ponte era colocar comida na barriga de uma criança, era colocar comida na barrida de uma mulher ou de um homem que estava fragilizado. E a gente não poderia vacilar entre os discursos daqueles que são contra e a realidade. O dado concreto é que passados alguns anos veio a crise econômica mundial e ficou provada uma coisa, para que os pesquisadores publiquem por muito tempo: foi a capacidade de consumo dos pobres que fez a economia brasileira resistir à crise dos países ricos..."

Publicamos a seguir o discurso proferido pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de abertura do Diálogo Brasil-África sobre Segurança Alimentar, Combate à Fome e Desenvolvimento Rural (Palácio Itamaraty, 10 de maio de 2010).

Quero dizer para vocês da alegria imensa de vocês terem aceito o convite nosso para participar deste debate sobre a relação África-Brasil e a questão da segurança alimentar.

Eu queria começar contando um caso para vocês. Hoje, graças a Deus, eu não tenho discurso. Tenho apenas aqui alguns pontos de conversação, e eu penso que vai ser mais rápido, não vou tomar muito o tempo de vocês. De vez em quando o improviso faz com que a gente utilize muito mais tempo do que se tivesse o discurso por escrito. Mas, de qualquer forma, eu vou compreender que vocês viajaram muito para chegar aqui, atravessaram o Atlântico e, portanto, o fuso horário deve estar mexendo com a cabeça de vocês.

Então, eu vou começar contando uma história, das dificuldades das relações entre os estados. Eu não vi aqui o meu ministro Eloi, companheiro ministro da Igualdade Racial. Eu tinha aproximadamente três meses de mandato na Presidência da República do Brasil, quando o presidente Wade, do Senegal, me liga pedindo ajuda do Brasil para que lhe enviasse um avião, chamado Ipanema, para enfrentar uma praga de gafanhotos que se aproximava do Senegal. Eu fiquei muito entusiasmado porque era o meu primeiro gesto de solidariedade com um país africano, e decidimos, então, mandar o avião. Entre decidir mandar o avião e o avião chegar lá, levou seis meses. A praga de gafanhotos já tinha comido todo o milharal, e o avião... Foi para lá, está lá. Eu espero que tenha combatido outras pragas de gafanhotos, mas aquela não deu porque eu não sabia que, para dar um avião, tinha que passar pelo Congresso Nacional, tinha que debater não sei das quantas, e demorou muito.

Eu estou dizendo isso apenas para mostrar para vocês que, muitas vezes, a gente toma as decisões – vocês, do lado de vocês; nós, do nosso lado; os americanos, do lado deles; os europeus, do lado deles – e até a gente concretizar as coisas, leva um tempo muito grande. Para quem está com fome, para quem está sofrendo muito e para quem precisa comer as calorias e as proteínas necessárias, são tempos intermináveis que, muitas vezes, não chegam a tempo de as pessoas sobreviverem. Esse é um assunto que eu quero discutir com vocês.

"A gente pensa de acordo com o chão que os nossos pés pisam".
Eu queria, antes, agradecer o prêmio que eu recebi. Eu penso que cada dirigente, no mundo, ou melhor, cada um de nós, a gente pensa de acordo com o chão que os nossos pés pisam. Se os dirigentes políticos do mundo não estiverem, cotidianamente, comprometidos com as pessoas que estão em pior situação no seu estado e no seu país, fica mais difícil a gente tomar decisão em benefício dos mais pobres. A verdade é que, normalmente, nós somos eleitos pelos mais pobres, mas quando a gente ganha as eleições, quem tem acesso ao gabinete dos dirigentes não são os mais pobres, são os mais ricos. E, muitas vezes, o orçamento da União é feito para aquelas pessoas na sociedade que já estão organizadas e que, portanto, fazem uma pressão sobre o governo, e o orçamento é dividido normalmente para a parte organizada da sociedade e, quando a gente vai ver, não sobra nada para a gente fazer política para aqueles que não têm sindicato, para aqueles que não vão à capital, para aqueles que não fazem passeata, para aqueles que não têm sequer o direito de protestar porque não têm como protestar.

Esse é um desafio que está colocado para as gerações de dirigentes do século XXI: é ter claro que o combate à pobreza só será vencido se houver determinação, se houver uma determinação de prioridade na política orçamentária de cada país, de tratar a questão da fome como coisa prioritária. Se a gente esperar sobrar dinheiro no orçamento para cuidar da fome, nunca vai sobrar, porque os que têm acesso ao orçamento são gananciosos e querem todo o dinheiro para eles, e não fica nada para os pobres. Essa é uma experiência muito rica que eu vivi aqui no Brasil.

A segunda coisa importante, meu caro Diouf, é que os dirigentes políticos do mundo precisam definir que não tem nada mais importante para cada país, não tem nada mais importante para cada povo do que a segurança alimentar, como a forma mais extraordinária de garantir a soberania e a autodeterminação dos povos. Se um país tiver a arma mais poderosa que tiver, mas ele não tiver a comida de cada dia, do seu povo, plantada no seu território ou comprada fora, esse país não tem soberania.

"Quem tem fome não pensa, a dor do estômago é maior do que muita gente imagina".
Então, a segurança alimentar precisa ser vista como uma questão de soberania de cada país. Nós temos que garantir a cada cidadão do nosso país que ele possa ter o café da manhã, o almoço e a janta todos os dias, porque isso é o que permite às pessoas terem tempo de pensar no que fazer no dia seguinte. Quem tem fome não pensa, a dor do estômago é maior do que muita gente imagina. E as pessoas que têm fome não viram revolucionárias, elas viram submissas, elas viram pedintes, elas viram dependentes. Portanto, a fome não faz o guerreiro que nós gostaríamos que fizesse. A fome faz um ser humano subserviente, humilhado e sem forças para brigar contra os seus algozes, que são responsáveis pela fome.

Em terceiro lugar, é importante que a gente tenha clareza... eu estava ouvindo o discurso do companheiro Diouf e estava prestando muita atenção. Nenhum ser humano do mundo é contra os pobres, nem nos nossos países. Vocês nunca viram, numa campanha política eleitoral em cada país africano, em cada país latino-americano, em cada país do mundo, um candidato fazer campanha defendendo os ricos contra os pobres.

Normalmente, a campanha é feita, todo mundo defendendo os pobres, até o rico que é candidato. O problema é que na hora de governar, o pobre sai da agenda e o rico permanece na agenda. São eles que indicam ministros, são eles que indicam assessores, ou seja, são, na maioria das vezes, eles que determinam a política que você tem que fazer.

Como mudar isso para que a gente possa garantir um mundo de paz, um mundo sem fome, um mundo com mais educação, um mundo com mais desenvolvimento? Qual é a lógica que explica a África, que é o berço da Humanidade, chegar ao século XXI ainda como o continente mais atrasado na questão do combate à miséria e à fome? Qual é a explicação sociológica, qual é a explicação econômica, mesmo quando o continente africano foi ocupado por nações extremamente ricas? Ao conquistar a independência, muitos países africanos continuaram pobres depois da independência, como foi o caso do nosso querido país, como é o caso de todos na América do Sul, em que os colonizadores foram embora, depois de levar grande parte da riqueza existente no país, e nós continuamos pobres.

"Nós temos apenas um mar de obstáculos entre nós"
Bem, essa lição eu aprendi aqui no Brasil. Nós precisamos aprender a nos conhecer melhor para que a gente possa tomar decisões a partir da nossa realidade, a partir da nossa similaridade, a partir daquilo que a gente pode produzir e construir juntos, e, na maioria das vezes, nós não fizemos isso. No século XX, possivelmente o Brasil tenha se preocupado mais com a sua relação com os europeus e com os americanos, e vocês também, com os europeus e com os americanos. A nossa relação era um pouco estranha, mesmo nós sendo tão parecidos, mesmo nós tendo tanta coisa em comum, a verdade é que nós tínhamos outros parceiros, tínhamos outras expectativas e outra esperança.

Bem, nós já fizemos um primeiro encontro Brasil, América do Sul e África, que a ideia era tentar fazer os dois continentes se enxergarem. Nós temos apenas um mar de obstáculo entre nós, e o mar termina sendo um ponto que facilita a nossa relação e não um ponto que dificulta a nossa relação. Já fizemos dois encontros. Certamente, ainda não colhemos aquilo que era necessário colher mas, certamente, países que nunca tinham ido à África já foram à África, já participaram de encontros com a África e já não acham o continente africano tão estranho a eles. Da mesma forma, os africanos que jamais imaginaram ter ido à Venezuela participar de um encontro, certamente passaram a conhecer outros povos e outros países. E começar a discutir outras possibilidades, aprofundar, de forma meticulosa, o que nós poderemos fazer uns pelos outros.

Bem, nós acabamos de perder um guerreiro, o presidente Yar’Adua, da Nigéria, que visitou o Brasil em julho do ano passado, já não está mais entre nós. Ele era um homem que veio conversar comigo e veio dizer, categoricamente, que ele estava disposto a fazer com que a Nigéria olhasse mais para a relação Sul-Sul, para ver se nós poderíamos construir o que não foi construído no século XX. Eu espero que quem vier para o governo continue pensando nessa mesma trajetória, pensando nesse [com esse] mesmo olhar para o Sul-Sul, porque nós nos olhamos muito pouco no século passado.

Eu já disse a vocês que a África é prioridade na minha relação. Eu já visitei... eu devo terminar o meu mandato visitando 25 países africanos. Isso é mais do que tudo o que já foi visitado por todos aqueles que governaram o Brasil desde que Cabral chegou ao Brasil, em 1500, para descobrir o Brasil. Eu espero que outros presidentes que venham a governar o Brasil viajem mais, viajem mais do que eu e viajem mais países do que eu, para que a gente possa descobrir o potencial que existe nas nossas relações, e trabalhar com a ideia firme e a convicção de que o século XXI tem que ser o século do renascimento africano. Isso só será possível se nós acreditarmos e se nós trabalharmos para isso. Não é possível acontecer alguma coisa se nós não quisermos que aconteça.

Eu lembro perfeitamente bem, e vou dar esse testemunho para vocês, que quando nós começamos a pensar o projeto Fome Zero e depois pensar o programa Bolsa Família – o Graziano está aqui –, nós tivemos muita adversidade. Adversidade numa parte da elite política brasileira, que dizia que dar dinheiro na mão de pobre era proselitismo, era compra de voto, era favor, era... tem todos os adjetivos que vocês possam imaginar. Depois, a incompreensão de alguns que diziam: “Se você vai dar R$ 100 para um pobre, ele não vai querer mais trabalhar, ele não vai querer mais trabalhar, vai virar um vagabundo”. Era isso que diziam. “Ele vai tomar cachaça, ele não vai querer mais trabalhar”. E nós tivemos que enfrentar esse preconceito. O Graziano, que foi o primeiro ministro, Diouf, tinha hora que eu tinha ficar paparicando ele aí, para ninguém desistir, porque a pressão era para desistir, a pressão era que cuidar de pobre não podia. Tinha gente que falava assim para mim: “Por que o presidente Lula vai criar o programa Fome Zero, gastar R$ 12 bilhões se isso daria para fazer pontes, fazer estradas?” Na verdade, daria para fazer pontes e fazer estradas. Mas naquele momento, o mais importante do que uma ponte era colocar comida na barriga de uma criança, era colocar comida na barrida de uma mulher ou de um homem que estava fragilizado. E a gente não poderia vacilar entre os discursos daqueles que são contra e a realidade.

"Foi a capacidade de consumo dos pobres que fez a economia brasileira resistir à chamada crise dos países ricos".
O dado concreto é que passados alguns anos veio a crise econômica mundial e ficou provada uma coisa, para que os pesquisadores publiquem por muito tempo: foi a capacidade de consumo dos pobres que fez a economia brasileira resistir à chamada crise dos países ricos. Os pobres do Norte brasileiro e do Nordeste consumiram mais. As Classes D e E do Norte e do Nordeste consumiram mais do que as classes A e D da região Sul e Sudeste. E os pobres foram à luta comprar coisas que, até então, eles não estavam habituados a comprar. Porque quem tem muito dinheiro, quem tem muito dinheiro dá US$ 30, US$ 40 de gorjeta, depois de tomar dez uísques no restaurante. Mas quem não tem nada e pega US$ 40, é capaz de levar comida para seus filhos comerem durante 20 dias ou 30 dias, é capaz de fazer a multiplicação dos pães, é capaz de garantir o sustento de uma família. Esse é um dos milagres que aconteceram neste país.

Neste país, eles diziam: “Nós não podemos aumentar o salário mínimo, porque o salário mínimo vai causar inflação”. Quando nós chegamos aqui, o salário mínimo – se eu não estiver enganado – comprava 1,4 cesta básica. Hoje está comprando 2,4 cestas básicas, ou seja, praticamente, o dobro, e a inflação está totalmente controlada.

O problema é simples: pouco dinheiro na mão de muitos é distribuição de riqueza; muito dinheiro na mão de poucos é concentração de riqueza. Então, o que nós fizemos foi garantir um pouquinho para muita gente, e os pobres, que antes ficavam à margem, viraram gente de classe média, começaram a frequentar shopping centers, começaram a comprar coisas que antes só uma parte da sociedade podia comprar.

Esse é um dos milagres das coisas que aconteceram aqui no Brasil, mediante também muitas outras políticas. Eu, hoje, sou um homem convencido de que o problema nosso não é apenas a questão de dinheiro. Dinheiro é sempre muito importante, dinheiro é sempre muito importante, mas o problema maior nosso é a falta de definição de prioridades. O problema nosso, às vezes, é a falta de projeto, e o problema nosso, às vezes, é a falta de focar aquilo que é prioridade.

O Brasil, na década de 70, tinha uma extraordinária assistência técnica na agricultura brasileira e, no final dos anos 90, toda a assistência técnica estadual tinha, praticamente, com raríssimas exceções, sido dizimada. Nós precisamos reconstruir, porque senão a agricultura familiar não sobrevive. E eu tenho verdadeira ojeriza ao discurso da agricultura de subsistência, tenho verdadeira ojeriza. Dizer para um agricultor: “Você tem que plantar a sua mandioquinha, você tem que plantar o seu milhozinho, você tem que plantar o seu arrozinho”, só para comer? Não! Nós precisamos mostrar que ele tem direito ao acesso à tecnologia, que ele tem que ter direito ao acesso a crédito para ele produzir com mais escala, para, além de comer, ele poder ter um dinheiro e ter acesso a outros bens, senão o homem não fica no campo. O velho fica, mas a juventude não fica no campo, porque as luzes da cidade são uma paixão para a juventude. Entre ficar ouvindo um grilo cantar ou a luz de um vagalume a nos clarear, na porta de um cinema no centro da cidade, com tanta coisa bonita acontecendo lá, é uma paixão a que nenhum jovem resistirá. E ele só vai ficar no campo na hora em que a gente criar as condições para que ele possa ficar no campo.

Aqui, eu penso que o Brasil acumulou uma experiência. Eu não vou entrar em detalhes, porque muita gente nossa vai falar com vocês. Depois das 15h, nós vamos visitar a Embrapa, vocês vão ver de perto uma apresentação na Embrapa. Então, eu não vou me ater a coisas técnicas porque vocês vão ouvir, até enjoar, nesses dias que vocês vão estar aqui.

"Teve um tempo em que o culpados eram “os chineses, os chineses estão comendo demais”.

Mas vou contar uma coisa para vocês. Em julho de 2008 nós fomos pegos de surpresa pelo aumento dos alimentos. Feijão, no Brasil, não é uma coisa de exportação e, de repente, o saco de feijão saiu de R$ 60 para R$ 200; a soja subiu de forma extraordinária; o arroz tinha desaparecido, e todo mundo querendo saber o que era, todo mundo querendo saber o que era.
Então, a coisa mais fácil era dizer: “São os chineses”. Teve um tempo em que o culpados eram “os chineses, os chineses estão comendo demais”.

Bom, e eu fui constatar que não tinha havido nenhum grão de feijão importado pela China, do Brasil. Então, não poderia ser a China. Eu fui detectar que a soja tinha tido a mesma quantidade do ano anterior. Também não tinha sido. E também o preço do petróleo: de US$ 30 para US$ 150. Eu me reunia com as empresas, inclusive com a minha, e com as outras multinacionais, para alguém me explicar por que o petróleo tinha chegado a US$ 150. Eles diziam: “É a China, é o consumo da China”. Aí, quando sai a crise do subprime, quando sai a crise da especulação imobiliária nos Estados Unidos é que a gente descobriu que já tinha, no mercado futuro, a mesma quantidade de petróleo comprada no mercado futuro, que a China consumia. Os espertalhões, que estavam ganhando dinheiro especulando com papel, resolveram tirar o dinheiro do fracassado subprime e ir para a soja, para os alimentos e para o petróleo, e muita gente sofreu com isso.

Nós estávamos prontos para fazer o acordo da Rodada de Doha. Tinha só uma divergência entre a China, entre a Índia e os Estados Unidos, e o problema eleitoral, porque isso era mais ou menos no mês de julho, e tinha eleições em novembro nos Estados Unidos, e tinha eleições em maio do ano seguinte, no estado do negociador indiano, que é na Índia, mas, sobretudo no estado do negociador, que era candidato. Por conta disso, nós não avançamos na Rodada de Doha e, lamentavelmente, já faz dois anos e a gente ainda não retomou as negociações. A Rodada de Doha, no entendimento do Brasil, e certamente no de vocês, era a possibilidade de a gente abrir um pouco mais do mercado para que vocês pudessem exportar os produtos de vocês para os mercados mais ricos. Bem, mas não andou, vamos ver se andamos. Parece que a teoria do livre mercado era extraordinária quando nós só éramos compradores. Na hora em que a gente quer ser vendedor, o livre mercado não era tão livre como parecia ser. E as pessoas não levam...

Eu acho isso, Diouf, uma barbaridade, uma barbaridade da visão capitalista, porque cabe a um homem que tem uma visão capitalista compreender que quanto mais os africanos comerem, quanto mais os latino-americanos comerem, quanto mais nós ganharmos um dinheirinho, mais nós seremos consumidores dos produtos de alto valor agregado que eles produzem. Isso, (incompreensível), você deve ter aprendido na escola de Economia, não precisava ser nenhum dirigente sindical para vir dizer isto aqui. Henry Ford dizia, no começo do século XX: “Eu preciso pagar aos meus trabalhadores para que eles possam comprar o carro que eu produzo, senão eu não vendo”. A mesma coisa é o mundo desenvolvido.

Eles têm que contribuir para a melhoria de vida na África, o Brasil tem que contribuir, os americanos têm que contribuir, os chineses têm que contribuir, porque vocês passarão a ser consumidores no planeta Terra e, portanto, um mercado extraordinário para quem tem sofisticada tecnologia.

Nós estamos há quanto tempo pedindo para os países mais ricos construírem parceria conosco? Fizemos uma com o Japão, em Moçambique, e queremos fazer com outros países para produzir as coisas que interessam a vocês com a nossa tecnologia, mas com incentivo financeiro nosso, para que eles comprem.

Me diga uma coisa: a Europa vai precisar colocar, nos próximos [anos], até 2020, 10% de etanol na sua gasolina, não é isso? A Europa não pode ficar produzindo etanol de beterraba, fica muito caro, ou de milho, não é prudente. É prudente, então, que a gente, olhando o mapa-mundi, [veja] onde é que tem terra para produzir. Onde é que tem terra para produzir?

No continente africano, no Brasil e na América Latina. Os outros países já produziram muito, já utilizaram grande parte da sua terra agricultável, nós é que estamos... Ora, uma parte dessa terra tem que garantir a segurança alimentar da humanidade; na outra parte, onde puder, as pessoas têm que plantar aquilo que vai render dinheiro para as pessoas poderem fazer a economia crescer. E tudo isso é muito visível e perceptível por todos os dirigentes. Mas entre a gente compreender e a gente executar um projeto, é difícil.

Depois vocês conversem com o companheiro de Angola que tem um grande projeto lá, de etanol, do governo de Angola com uma empresa brasileira, que vai suprir, na Angola, metade do etanol que a Angola usa e também metade do açúcar, ou seja, isso é um salto extraordinário – em pouco tempo, em pouco tempo. Essa tecnologia o Brasil domina e é essa tecnologia que o Brasil quer repartir com vocês.

A Embrapa... Eu vou assinar a lei hoje, aqui, vou mandar a medida provisória. É na Embrapa que eu vou assinar, Pedro? Porque a Embrapa está em Gana, ela já estudou projetos em 16 países, e nós já temos a convicção de que parte da savana africana tem as mesmas características produtivas do cerrado brasileiro. O cerrado brasileiro, há 40 anos, era tido como terra imprestável. Na minha ignorância, Pedro, quando eu vinha de carro de São Paulo para Brasília, que passava no Cerrado, a gente dizia: “Essa terra não presta para nada, olha como as árvores estão tortas, nem crescer não crescem”. Bastou um pouco de carinho com a terra, ela virou a área de maior produção de grãos do nosso país. E isso pode acontecer com a savana africana e com muitos países.

Uma outra coisa que eu fico vendo o mapa e fico imaginando, é que tem problema de água na África, em alguns países, mas tem excesso de água na África, em outros países. E nós, os países que têm um pouco mais de recursos, mais os países ricos, nós temos que começar a imaginar como é que a gente socializa essa água. Eu estou fazendo um canal aqui, no Brasil, de 640 quilômetros para levar água para 12 milhões de pessoas da área mais seca do Brasil. Esse projeto está sendo pensado desde 1847 – o Brasil ainda tinha um imperador –, e esse projeto não saía do papel. Pois bem, ele agora saiu do papel e eu inauguro a primeira parte dele. Eu fico vendo ali, na África, alguns rios, a imensidão de água que vai para o mar sem a gente aproveitar. E eu sei que não tem dinheiro nos países, mas é essa contribuição que os países ricos podem dar, financiar um projeto. É esse o financiamento que a gente tem que fazer.

"Quando eu cheguei ao governo, no Brasil inteiro, em todo o território brasileiro, nós tínhamos apenas R$ 380 bilhões de crédito".
No G-20, se pensou em US$ 22 bilhões para ajudar. Agora, esses US$ 22 bilhões precisam ter uma coordenação eficaz, projetos bastante definidos, porque senão o dinheiro desaparece. E quando a gente vai ver não ficou nada no lugar, porque dinheiro, de vez em quando, voa. Então é preciso... e eu acho que as organizações que vocês construíram na África são muito representativas. Acho que eu poderia citar como exemplo aqui, por exemplo, a União Africana, que está mais organizada do que a nossa Unasul; eu poderia citar o Banco Africano, que é um banco que tem um potencial de crescimento, e é lá que os bancos de fomento tipo o FMI, tipo o Banco Mundial, deveriam colocar um pouco de dinheiro para que vocês pudessem administrar do jeito que quisessem, para fazer funcionar o crédito. Uma coisa, Diouf, eu vou dizer a você: quando eu cheguei ao governo, no Brasil inteiro, em todo o território brasileiro, nós tínhamos apenas R$ 380 bilhões de crédito. Eu fiquei pensando: como é que este país quer ser um país capitalista se não tem nem crédito? Pois bem, hoje o nosso país tem mais de 1 trilhão e 500 bilhões de crédito, por isso a economia funciona. Nós criamos aqui um crédito para os pequenos, crédito para o trabalhador aposentado, para o trabalhador que não tem nem conta bancária. Esse crédito já disponibilizou, nesses quatro anos, R$ 115 bilhões de financiamento para as pessoas físicas, aposentados, catadores de papel. Essa é uma parte da explicação do sucesso da agricultura familiar brasileira e do sucesso do agronegócio no Brasil. Aqui no Brasil, o governo tem que financiar o agronegócio e a agricultura familiar, e fazemos isso com prazer porque sabemos da importância que tem os dois setores na economia brasileira.

Bem, nós... uma notícia boa que eu quero dar para os companheiros. Antes, dizer para vocês o seguinte a África já tem um instrumento como o Nepad, a África já tem o Banco de Desenvolvimento, portanto, nós temos instituições mais sólidas na África com quem o restante dos outros países e o Brasil podem fazer negócio. Nós temos condições de criar, para a África, as mesmas políticas de crédito que nós oferecemos aos agricultores brasileiros, mas isso, vai ter gente que vai conversar com vocês, porque muitas vezes as pessoas querem se modernizar, muitas vezes as pessoas até recebem máquinas de graça, mas não tem a formação para a pessoa manusear a máquina, ou às vezes não tem tecnologia para fazer funcionar, às vezes tem a máquina, precisa do combustível, não é?

Eu lembro que quando nós lançamos o Programa Mais Alimentos, no auge da crise do alimento, nós, em 18 meses, criamos uma linha de crédito para o pequeno produtor, nós vendemos aqui, internamente, 25 mil tratores para pessoas que jamais tinham imaginado ter um trator. E esse programa terminava agora, nós vamos ter que continuar com ele, porque... E eu quero ver se estendo essa mesma linha de crédito para o Brasil, para a América Latina e para os países africanos que precisarem modernizar a sua agricultura.

Nós gostaríamos de partilhar com vocês, companheiros, as nossas experiências, e vocês vão ter o prazer de conhecer a Embrapa. A Embrapa é a empresa responsável pela revolução tecnológica no Brasil na questão da agricultura, e nós queremos que ela faça com a África o mesmo que está fazendo no Brasil, por isso nós estamos com os técnicos lá fora. Mas hoje nós vamos mandar um projeto de lei oficializando a implantação da Embrapa em território estrangeiro, coisa que a lei atual não permite.

Nós estamos querendo, temos intenção de implantar 10 projetos-piloto nos moldes do programa de aquisição de alimentos na África. O programa de aquisição de alimentos, certamente o Ministro vai falar, na parte da tarde, mas uma coisa extraordinária aqui, no Brasil, é o programa da compra de alimentos feito pelo governo. E a outra coisa extraordinária é que nós determinamos que 30% do alimento vendido para a merenda escolar seja da agricultura familiar, mas que seja da agricultura local, regional, ou seja, para um cidadão comprar do produtor na sua cidade, para fomentar a produção da sua cidade. Senão, o cidadão planta a 2 mil quilômetros de distância, esse produto sai de lá, vai para, aqui no Brasil, vai para o Ceasa, que é um setor de comercialização e depois volta para lá, ou seja, anda 4 mil quilômetros para ganhar preço, para depois chegar ao produtor [consumidor]. Então, nós decidimos que 30% é comprado ali, na cidade do pequeno produtor rural dali: é a batatinha, é o feijão, é a mandioca, ou seja, tem que ser comprada lá, para a gente fomentar a produção.

Bem, uma coisa importante que eu queria dizer para vocês: finalmente, a Câmara dos Deputados, no Brasil, aprovou – e eu queria que o Eduardo prestasse atenção, porque vai para o Senado –, a Câmara dos Deputados finalmente aprovou, na semana passada, a Universidade Afro-Brasileira. É uma universidade que nós estamos pensando em 10 mil alunos, metade africanos, metade brasileiros. Ela vai ser no estado do Ceará, portanto, estarão todos os estudantes olhando para o continente africano, para que ninguém esqueça de onde veio, porque se a gente não tomar cuidado, esses meninos vêm, se formam, arrumam uma namorada e já ficam por aqui mesmo; e nós queremos que eles fiquem de olho para o continente africano, olhando ali... Quem é de Cabo Verde, vai estar ali, olhando Cabo Verde. Se ele não quiser ir, a gente empurra ele e ele vai nadando, e volta para o seu local. O que nós queremos é dar uma contribuição... Se for aprovada no Senado, Eduardo, nós ainda lançaremos a pedra fundamental e começaremos a construí-la ainda este ano. Será na cidade de Redenção, no Ceará, que é a cidade onde começou a luta pelo fim da escravidão no nosso país.

Por último, companheiros e companheiras, nós também queremos oferecer treinamento técnico em extensão rural, num trabalho com o nosso Ministério, com a Embrapa, com o Sebrae. O que nós precisamos habituar é fazer com que as nossas pessoas viajem mais e se encontrem mais. Por isso é que nós vamos inaugurar, à tarde, um centro da Embrapa, que é uma coisa chique, que tem... é um centro de tecnologia, de formação, de treinamento, em que a gente quer receber muitos engenheiros agrônomos, técnicos agrícolas da África, para poderem fazer treinamento na Embrapa, aprender a tecnologia que nós temos aqui, de ponta, levar para a África e produzir o mesmo que nós produzimos aqui.

Eu quero ressaltar o papel das Nações Unidas e, particularmente, do Fida, do PMA e da FAO, porque o papel de vocês é decisivo para construir este mundo sem fome que todos nós queremos construir. Acho que nós precisamos implementar a reforma do Comitê de Segurança Alimentar, e é preciso torná-lo um fórum representativo de todos os acordos relevantes para a construção de uma parceria global para a agricultura e a segurança alimentar. Acho que o Programa Mundial de Alimentos deve ampliar suas atividades, por meio de compras locais de alimentos que assegurem o fornecimento às populações vulneráveis e estimulem o pequeno produtor. O Fida pode ajudar muito no apoio aos programas nacionais de regularização fundiária e de ampliação de crédito e seguro agrícola.

"Temos que fazer um esforço e não ficar competindo com países mais pobres do que nós".
Aqui, eu queria dizer uma coisa, tanto ao Diouf, quanto ao Programa (incompreensível): o Brasil, o Brasil, graças a Deus, o Brasil não precisa de ajuda financeira para fazer as suas coisas. O Brasil tem tamanho, tem tecnologia, dinheiro e tem vergonha. Portanto, nós temos que fazer um esforço e não ficar competindo com países mais pobres do que nós. Nós temos que colocar dinheiro no orçamento e aprovar as coisas que nós precisamos, porque o Brasil, Diouf, o Brasil ainda não aprendeu que entrou no rol dos países doadores. O Brasil não é mais um país receptor. E isso está acontecendo, e é importante, Celso, as ONGs...

As ONGs importantes que atuavam no Brasil, elas estão comunicando à gente que estão indo embora, muitas delas, para cuidar de outros países mais pobres. Qual é o sentido de o Brasil ficar competindo com a Tanzânia, com Botsuana? Não, o Brasil tem que entrar no rol dos países doadores e contribuir. Ora, se nós tivemos coragem de aprovar US$ 14 bilhões para emprestar para o FMI, por que é que a gente não pode ter, através do nosso BNDES, uma política de financiamento para os países africanos? É só decisão política, que já está tomada. Por isso, isso vai ser discutido à tarde com os companheiros aí.

Por último, eu queria dizer para vocês que no G-20 nós vamos continuar brigando para que a gente possa fortalecer as instituições multilaterais, para que a gente faça o Banco Mundial cumprir com as suas funções de ajudar os países em desenvolvimento, para que o FMI empreste dinheiro sem precisar das exigências que fazia antigamente, e vamos continuar brigando para que a gente possa concluir a Rodada de Doha da forma mais justa possível.

Uma coisa que eu queria pedir para vocês... Nós vamos estar juntos ainda, na Embrapa, hoje à noite; depois nós vamos estar juntos na visita de uma feira de agricultura familiar, é isso? Hoje ainda, ou amanhã? Amanhã. Eu quero estar junto com vocês nessa visita à feira. Eu quero que a gente, ao terminar isto aqui, eu não sei qual é a ideia central, Celso, mas que a gente crie uma espécie de grupo dirigente disso aqui, para que a gente possa acompanhar e dar sequência a cada coisa que a gente vai fazer. Cada projeto tem que ter um acompanhante, para que a coisa possa vencer as barreiras com mais facilidade do que nós temos hoje.

Eu acho que o Brasil tem um problema para resolver, o Celso tem me cobrado, que é a questão de vôos para o continente africano. As empresas brasileiras adoram ir para Paris, adoram ir para Londres, adoram... mas não querem parar no território africano. Agora, com esse vulcão soltando fumaça preta para tudo quanto é lado, eles estão parando em qualquer lugar, com medo. Mas nós estamos trabalhando, o ministro Jobim já tem pronta uma proposta que ele quer me apresentar, para ver se a gente começa a fazer com que nossas empresas possam parar em alguns países africanos, porque se não tiver possibilidade de trabalhar, se a gente não tiver voo para garantir o direito de ir e vir dos ministros, dos empresários, dos cientistas, a gente não vai conseguir o desenvolvimento que nós queremos.

Então, eu queria dizer para vocês, do fundo do coração: muito obrigado por vocês terem aceito o nosso convite, muito obrigado. E eu espero que desta reunião aqui a gente tire uma nova e mais aperfeiçoada política com os nossos irmãos africanos. E, certamente, certamente, eu me encontrarei com vocês, porque eu ainda tenho que visitar cinco países africanos. Mas, no dia 11 estarei na África do Sul, para a final da Copa do Mundo. Não é que eu seja tão otimista que o Brasil vá para a final, não é que eu seja tão otimista que vai para a final. É que eu tenho que estar lá porque, como o Brasil vai sediar a Copa do Mundo de 2014, eu tenho que estar na festa de encerramento, para trazer o espírito da Copa do Mundo para o Brasil. E, certamente, eu posso trazer junto a Taça do Mundo, pela sexta vez.

Um abraço e muito obrigado, companheiros.

04 maio 2010

Rede Globo: CAPITAL, IDEOLOGIA E FUTEBOL

São seis horas da manhã, acordei pensando na sutil relação do CAPITAL, IDEOLOGIA E FUTEBOL que a excrescência da televisão Globo sustenta no país desde 1964. Resolvi escrever.

Escrevo porque é insuportável ver e ouvir a Globo reproduzir a ideologia dominante de forma absurda a partir do capital, é lógico, envolvendo o futebol e discriminando de forma mais absoluta.

O chamado Bom dia Brasil de ontem, 3/05/2010, é prova cabal que não é a notícia que vale, é o capital, é São Paulo, como se apenas lá fosse Brasil. Mostrou longamente a partida do Santos contra Santo André como se o Santos, que perdeu a partida, teve 3 jogadores expulsos de campo fosse o campeão dos campeões. Ora, o campeonato brasileiro não iniciou, logo são jogos no Brasil de cunho regional, apenas.

Não acredito que ter 3 expulsos de campo seja bom exemplo. Não creio que perder uma partida seja fantástico, mas enfim, é São Paulo, é onde o capital do país se concentra, para Globo – que só faz novela no eixo Rio-São Paulo – é o Brasil, o resto é figuração, mau exemplo, de segunda categoria.

Depois mostra outros dois jogos, bem no fim do programa, para não dizerem que não mostrou: Grêmio e Internacional, Bahia e Vitória. Mostra num tom de crítica aos dois times que perderam e mesmo assim venceram os campeonatos regionais. Tanto o Grêmio como o Vitória perderam assim como o Santos, mas a enfase da notícia foi completamente diferente. Foi “alfinetando”, como disse a apresentadora, ambos, Grêmio e Vitória, perderam porque é feio perder na final e comemorar o título.

É revoltante, o Santos pode perder e é herói e brilhante, os demais não...

Não sou fanático, coisa que aprendi com meu pai. Adequado é estar envolvido sem perder a razão, ter consciência, ser crítico, inclusive com sua própria paixão, sua coloração futebolística ou partidária. Considero-me desportista, não um torcedor desvairado.

Olha, sou um cidadão que passou a gostar de futebol e escolheu o Grêmio de Porto Alegre para torcer sem nenhuma influência. Meu pai era do São José de Porto Alegre, os demais de minha família nem torciam para time nenhum na época.

Eu tinha 7 anos, 1966. Era um domingo e eu jogava BOTÃO, lembram disto? A bolinha era um botão de camisa, o goleiro uma caixa de fósforo. Lembro que alguém fazia quase que a unica coisa possível de diversão na época: ouvia o jogo pelo rádio. A TV ainda não fazia transmissões ao vivo, afinal a TV tinha sido inaugurada em Porto Alegre apenas em 1959. Eu, ouvindo o GRENAL imitava as jogadas que o radialista, de forma empolgada, narrava, as vezes gritando, tamanho o entusiasmo.

O Internacional venceu o jogo por 1 a zero, lembro bem que eu a partir daquele dia, sei lá porque, passei a torcer pelo Grêmio. Poderia ser ao contrário.

Poderia ser ao contrário, no GRENAL de domingo passado a situação poderia ser inversa, o Internacional poderia ter perdido e ser campeão e a atitude da Globo seria a mesma, criticar o Inter porque não deveria ter perdido a final.

O problema é que o Grêmio é do Rio Grande do Sul e o Vitória é da Bahia, Estados onde não está o capital, são dois estados FORA DO BRASIL DA GLOBO. Com esse jeito imperialista de ser da Globo, as notícias são veiculadas para deformar opinião, reforçar um modelo de país centrado na cultura dos grandes centros urbanos, embora sem cultura regional, ou alguém acha que a Bahia e o Rio Grande do Sul não possuem uma cultura regional bem mais delineada que São Paulo? O que é ser Paulista? É ser um pouco cada parte do país e nada ao mesmo tempo.

Assim é a Globo, veicula notícias que são forma de reproduzir a ideologia dominante e expressa no futebol, até no futebol, seu jeito de produzir capital a partir da discriminação de tudo aquilo que está fora do mercado central.

Se a Globo faz isso com um simples domingo de final de 7 campeonatos de futebol, imagine o que ela faz com a Política no Cotidiano?