30 dezembro 2008

Israel monta campanha na mídia (antes da chacina)

Por Toni O'Loughlin, jornal The Guardian, em 28/12/2008.

Israel montou ampla campanha de mídia – que ingleses e norte-americanos chamam de public relations (PR) campaign – para convencer corações e mentes em todo o planeta, de que o Hamás é culpado pela morte e destruição que o mundo está assistindo pelos noticiários de televisão.

Para evitar que se repetisse a onda de crítica, em todo o mundo, que atingiu Israel no início de 2008, quando Israel invadiu Gaza para prender militantes que lançavam foguetes de quintal – brincadeira de criança, comparada ao brutal ataque hoje em curso –, Israel decidiu precaver-se.

“No passado, nosso primeiro-ministro recebia telefonemas de funcionários e políticos. Quando dizíamos a eles ‘Vocês entendem nossa reação, não é? Não podemos admitir aqueles foguetes que...’ eles respondiam ‘Que foguetes?!’ Não tinham qualquer informação sobre nossos problemas”, disse o porta-voz do governo israelense, Yigal Palmor.

Então, enquanto os chefes-da-guerra armavam seus aviões-bombardeiros, o ministério do Exterior preparava ampla campanha de divulgação, para conter as críticas contra o assalto à Palestina, que viria no sábado.

Todos os diplomatas israelenses tiveram o fim-de-semana suspenso e foram chamados às embaixadas. E foi montado em Sderot, junto à fronteira norte de Gaza, um centro de imprensa, multilíngue, para o qual foram convocados jornalistas do mundo inteiro.

Em Telavive, a ministra do Exterior telefonou a David Miliband, secretário de Relações Exteriores da Inglaterra; a Condoleezza Rice, secretária de Estado dos EUA; a Ban-ki-Moon, secretário-geral da ONU; a Javier Solana, chefe de política internacional da União Européia, e aos ministros do Exterior da Rússia, da China, França e Alemanha.

Ontem [27/12], no centro de imprensa de Sderot, Tzipi Livni falou a 80 representantes de países e a altos funcionários de suas embaixadas.

“Concluímos que é essencial divulgar o contexto no qual estamos tomando as necessárias decisões em Israel, e que os acontecimentos seguem uma sequência lógica”, disse Palmor.

Para Israel, a “seqüência lógica” que levou ao brutal bombardeio da Faixa de Gaza não começa pela ocupação de território palestino, em 1967 – única seqüência lógica que os palestinos bombardeados conhecem.

Para Israel, a “seqüência lógica” começa há três anos, com a decisão de retirar os acampamentos militares e as colônias de civis da área da Faixa de Gaza.

“Poderíamos começar por 1948 [ano em que a Palestina foi dividida, para criar Israel], mas queremos concentrar-nos na situação atual. Comecemos, então, pela retirada, em 2005” - prosseguiu o porta-voz. “Palestinos militantes chegaram a dizer que a evacuação seria vitória sua, resultado dos ataques de foguetes e fogo continuado, sobre cidades do sul de Israel.”

Depois de cercar Gaza – o chamado “Muro da Vergonha”, na Palestina – antes de retirar-se da Faixa, Israel passou a impor um bloqueio cada vez mais forte, que impedia, no final de 2005, que quem trabalhasse em Gaza entrasse em território israelense; em 2006, foi bloqueado todo o tráfego de caminhões e o abastecimento; finalmente, em meados de 2007, foram bloqueados até os caminhões de ajuda humanitária.

Perguntado sobre se a campanha de propaganda internacional estaria dando resultado, o porta-voz respondeu que ainda é cedo para avaliar.

Seja como for, os ataques começaram no sábado, no mesmo momento em que matérias que repetiam a fala ouvida no centro de imprensa de Sderot e passavam a ser repetidas, sem alteração, em todo o mundo.

Condoleezza Rice culpou o Hamás “por quebrar o pacto de cessar-fogo e pelo reinício da violência”. Máhmude Abbas, presidente da Autoridade Palestina, disse que os bombardeios poderiam ter sido evitados.

“Sabíamos que havia esse perigo e que teríamos de evitar qualquer pretexto que Israel pudesse usar”, disse Abbas ontem [27/12], enquanto prosseguia o bombardeio sobre Gaza.

12 dezembro 2008

Afinal, o que há com o STJ?

Há alguns meses o Superior Tribunal de Justiça surpreendeu o mundo jurídico no julgamento de processos em favor da Brasil Telecom, violando as Súmulas n° 5 e 7, ingressando indevidamente no exame de matéria de prova e de interpretação de cláusulas contratuais, usurpando a função legislativa e decidindo de forma contrária à lei e à Constituição Federal, ao contrato de adesão, ao Estatuto da empresa e à decisão da Assembléia Geral, e fixando, ele próprio, um novo preço de emissã de ações, diferente do que foi fixado pela Assembléia, publicamente ofertado pela CRT e utilizado para subscrição aos demais acionistas, afastando o pedido dos prejudicados numa decisão “por equidade”, porque “o fardo negativo do tempo veio a se lançar integralmente sobre os ombros da companhia (sic)”.Com isso a empresa foi autorizada a não cumprir o contrato de adesão, não honrar o preço oferecido, não cumprir a decisão da Assembléia Geral que o fixou na forma da lei, não cumprir o Estatuto Social que estabelece o valor e desobedecer a Lei Societária que determina a forma de fixação do preço de emissão das ações, privilégio não deferido a qualquer outra sociedade do País.
Posteriormente o mesmo STJ, em nova decisão a favor da Brasil Telecom, decidiu que a coisa julgada não prevalece contra a Companhia e o fato de ter sido decidido, em ação anterior, que o acionista tem direito a uma diferença de, digamos, 20.000 ações, não impede que, ao decidir sobre os acessórios daquelas ações já reconhecidas (desdobramento da dobra acionária e rendimentos) em um novo processo, pode dizer que o prejudicado não tem direito a nada, recalculando aquele número de ações para zero com base em um balancete a ser feito no final do mês da subscrição de capital.
Pois agora, em processo em que eu próprio fui autor, já em execução, em que o acórdão do Tribunal de Justiça é expresso com relação à condenação, acolhendo o pedido sucessivo, o STJ, em embargos à execução da sentença, mudou a decisão em favor da Brasil Telecom.
Disse o acórdão que está sendo executado:
“De forma que acolhe-se o pedido subsidiário da cumulação eventual (fl. 18, nº 6, letra “g”), mais juros legais desde a citação e correção monetária, a contar do ilícito contratual (AC 70005707484) .
Assim está expresso o pedido da fl.18, item 6, letra “g”, da petição inicial que foi acolhido:
“g) - Sucessivamente requer, ainda, caso não seja acolhida a pretensão à entrega das ações devidas, seja a ré condenada a indenizar as perdas e danos que culposamente causou ao contratante/ aderente/ mandante, pagando-lhe a quantia correspondente ao prejuízo causado, arbitrada desde logo no valor correspondente à diferença de 20.464 ações da telefonia fixa e 20.464 ações da telefonia celular, que o autor recebeu a menos do que outros assinantes, que assinaram o mesmo contrato e pagaram mesmo valor, acrescida dos dividendos que o autor deixou de perceber desde a data em que foi efetuada a subscrição a menor;”
O acórdão transitou em julgado, sendo inadmitido o recurso da ré pelo próprio Superior Tribunal de Justiça.
Pois agora, em execução, onde é vedado reabrir discussão sobre matéria discutida (pode ou não utilizar o mandato para postergar a subscrição com base na portaria 1361, subscrevendo menos ações e por um novo preço, já no ano seguinte?) ou inovar quanto ao número de ações a serem indenizadas, a Brasil Telecom interpôs embargos à execução, rejeitados pelo Juiz de Primeiro Grau e pelo Tribunal de Justiça.
Surpreendentemente o Min.Aldir Passarinho Junior, ao julgar o agravo de instrumento N° 951.412 contra a decisão que inadmitiu o Recurso Especial, decidiu mudar o acórdão em execução, já pelo saldo, com débito já parcialmente pago, mandando recalcular a diferença de ações devidas, agora com base em um balancete que será feito com data de quase vinte anos atrás, jamais aprovado ou publicado, e que, pelo que já se sabe, a Brasil Telecom apresentará resultado zero ou próximo de zero.
Afinal, o que há com o STJ?
Não se respeita mais nada?
Nem o contrato, nem o Estatuto, nem a decisão da Assembléia Geral, nem a oferta pública das ações a preço certo, nem a Lei das Sociedades Anônimas, nem o Código de Processo civil, nem o acórdão em execução, nem a coisa julgada, nem o Tribunal Estadual, nem a Constituição Federal ?
Espero, sinceramente, que a colenda Turma acolha o agravo regimental e corrija o equívoco, restabelecendo a normalidade processual e legal abalada.
Moacir Leopoldo Haeser, Desembargador aposentado.

10 dezembro 2008

EUA: tomada de fábrica por operários vira luta nacional

A tomada de uma fábrica por seus trabalhadores demitidos em Chicago se converteu em um símbolo nacional de que o resgate do setor financeiro por Washington não se traduziu em um apoio para as maiorias. Desde o presidente eleito Barack Obama e parlamentares federais e locais até o governador de Illinois já expressaram apoio às demandas dos operários.


Por David Brooks, para o La Jornada


Tudo começou quando os 260 operários da fábrica de janelas e portas Republic Windows and Doors foram informados por seus patrões, com apenas três dias de antecedência, do fechamento da indústria, previsto para o fim de semana passado. O fechamento ocorreu depois que o Bank of America suspendeu sua linha de crédito à indústria.


Na sexta-feira, dezenas de trabalhadores tomaram a fábrica e se negaram a deixá-la, pois denunciam que não foram notificados com os 60 dias de antecipação previstos em leu e não lhes pagaram o que deviam.


Em turnos, dezenas de trabalhadores, membros do sindicato nacional independente United Electrical, Radio and Machine Workers of America (UE), um dos mais progressistas e combativos do país, mantiveram guarda dentro da fábrica, enquanto recebiam visitas ilustres, desde o senador Dick Durbin, o segundo em importância na Câmara Alta do parlamento americano, até os representantes federais Luis Gutiérrez e Jan Schakowksy, e o reverendo Jesse Jackson.


A maioria dos trabalhadores são de origem mexicana, junto com um bom número de trabalhadores negros e alguns salvadorenhos e hondurenhos.


No domingo, Obama disse: "creio absolutamente que os trabalhadores, que pedem os benefícios e os salários pelos quais trabalharam, estão corretos, e entendo que o que lhes acontece é um reflexo do que ocorre em toda a economia".


Nesta terça-feira (9), o governador de Illinois, Rod Blagojevich, ordenou que as secretarias estaduais suspendam todos os negócios com o Bank of America até que este reverta sua decisão e abra uma linha de crédito para a empresa Republic. "Que tome parte do dinheiro federal que recebeu e o invista, para dar crédito necessário para esta empresa, conservando assim os empregos dos trabalhadores", manifestou.


"O Bank of America recebeu recentemente uma injeção de US$ 25 bilhões de fundos públicos e agora é um exemplo de como, enquanto se resgatam os grandes bancos, os trabalhadores são demitidos sem receber seus salários", afirma o sindicato.


O senador Durbin declarou aos meios de comunicação: "entregamos bilhões a bancos como o Bank of America, e a razão para isso era para que continuassem emprestando esses fundos a empresas como a Republica, para que não fossem perdidos postos de trabalho aqui nos Estados Unidos".


Enquanto os gerentes da empresa não aparecem, o Bank of America reiterou que não é responsável pelas práticas e decisões da Republica. Mas a ira dos trabalhadores se dirige tanto a seus patrões como também — e é aqui onde encontra eco nacional — contra um resgate financeira que só beneficia os executivos bancários e deixa em completo abandono milhões de trabalhadores, que padecem as conseqüências desta crise.


"Se não houver uma solução favorável, estamos dispostos a permanecer aqui pelo tempo que for necessário", comentou Leticia Márquez Prado, uma das trabalhadoras membro do sindicato em entrevista telefônica dada ao correspondente do La Jornada. Ela disse que as demandas mínimas eram o pagamento da demissão e das férias, entre outras remunerações que são devidas aos trabalhadores, mas que se desejava buscar uma forma de manter a fábrica em operações, cujo negócio foi impactado de forma severa pela crise econômica, particularmente no setor da construção


"O pior disso é que os trabalhadores estavam recebendo salários dignos, com benefícios de seguro de saúde e outros, e se perdem esses empregos só encontrarão, se encontrarem, empregos de salário mínimo e nenhum benefício", explicou Leticia.


Estava programada uma reunião entre representantes dos trabalhadores, da empresa e do banco para esta noite, a fim de tentar negociar uma solução.


Enquanto isso, o que seria uma notícia local, neste conjuntura se tornou um assunto nacional. Na noite de segunda-feira os telejornais das três principais cadeias de televisão colocaram reportagens sobre a ocupação em suas manchetes principais. Meios de comunicação nacionais eletrônicos e impressos caracterizaram esta ação como algo que se tornou "símbolo" do que estão padecendo os trabalhadores que perderam seus empregos durante esta crise ao longo do país (quase 2 milhões foram demitidos desde dezembro de 2007; mais de meio milhão somente em novembro).


Surpreendidos por todo alcance nacional, um dos trabalhadores, Melvin Maclin, também dirigente do sindicato, declarou à agência de notícias AP que "Nunca esperávamos isso. Ao contrário, achavamos que iriamos para a cadeia".



A ação gerou solidariedade entre vários sindicatos locais e nacionais, organizações civis e comunitárias, que prestaram apoio material e se somaram à campanha dos trabalhadores, que se revezam na ocupação 24 horas por dia.


A polícia não agiu e declarou que não tem nenhuma queixa de "atividade ilegal". "Não vamos nos mover", afirmou Melvin à CBS News. "Já é hora de nós, os pequenos, ficarmos de pé".


Silvia Mazon, outra trabalhadora, comentou no New York Times que "querem que os pobres continuem lá embaixo. Pois aqui estamos e não vamos a nenhum lugar até que nos dêm o que é justo e o que nos pertence". "Estamos fazendo história", disse, em outra entrevista.


Quase ninguém se lembra de quando foi a última vez que os trabalhadores tomaram uma fábrica nete país (talvez tenha ocorrido no fim dos anos 1980, quando mineiros de Virginia tomaram uma usina de processamento durante uma greve) e muitos dizem que o fato lembra cenas dos anos 1930, quando em Chicago e outras grandes cidades a militância sindical industrial sacudiu e transformou este país.


Talvez seja uma fagulha de algo novo (ou o ressucitar de algum mártir de Chicago).