29 novembro 2010

Regulação da mídia: Motta X Franklin


Quem é o mais radical

Por Alberto Dines, no Observatório da Imprensa

A História como piada: a telenovela da regulação da mídia deve ganhar lances sensacionais (ou patéticos, depende de quem a observa) quando se examinar com a devida atenção um projeto de lei preparado em segredo há 12 anos pelo homem forte do governo de Fernando Henrique Cardoso, seu amigo e confidente, o então ministro das Comunicações Sergio Motta.
Segredo? Em termos: na edição nº 76, de 5/10/1999, este Observatório da Imprensa comentou a quinta versão da Lei de Comunicação Eletrônica de Massa, produzida por Motta, e também a sexta versão do documento, chancelada por um de seus sucessores no ministério, Pimenta da Veiga. O material fundamentou-se em um vasto arsenal de análises e contestações encabeçado por um estudo pormenorizado de Guilherme Canela de Souza Godoi e contribuições de estudiosos ímpares como o falecido Daniel Herz, o professor Murilo Cesar Ramos, o pesquisador Gustavo Gindre e o senador Pedro Simon. Veja os links abaixo:
** A lei (secreta) de Sérgio Motta – G.C.S.G.
** A íntegra da quinta versão
** A versão Pimenta da Veiga – G.C.S.G.
** O sonho possível – G.G.
** Consulta pública para elaborar a nova Lei de Comunicação Eletrônica de Massa – G.C.S.G.
** Lei de Comunicação Eletrônica de Massa. Que massa??? – G.C.S.G.
Sergio Motta não conseguiu terminar o seu revolucionário projeto, morreu em 1998, foi sucedido por Luiz Carlos Mendonça de Barros e, em seguida, pelo deputado federal e ex-líder do governo, Pimenta da Veiga, autor de uma nova e desastrosa versão destinada à cesta do lixo. À época, corria que fora redigida pelos consultores da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
Sem comoção
A mídia acostumou-se a classificar como radical o jornalista Franklin Martins, atual ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Todas as suas iniciativas são imediatamente carimbadas como atentados à liberdade de imprensa e logo rejeitadas.
Nossa mídia tem memória curta ou simplesmente ignora quem foi o Serjão, Sergio Motta, um trator que nada fazia pela metade. A Lei de Comunicação Eletrônica de Massa concebida por ele não era radical, era revolucionária: criava uma agência reguladora, impedia a propriedade cruzada de mídia eletrônica, interferia no vicioso sistema de concessões de radiodifusão, cuidava do conteúdo da programação, criava mecanismos para proteger os assinantes da TV paga, forçava o funcionamento do Conselho de Comunicação Social e facilitava a sobrevivência da TV Pública facultando-lhe o direito de veicular publicidade comercial.
Evidentemente não previu o extraordinário crescimento da internet nem contou com o atual estágio de desenvolvimento da telefonia móvel. Convergência de conteúdos era uma noção desconhecida. O projeto era holístico, como se dizia à época, integral. Ambicioso, audacioso e, sobretudo, estatizante. Tão estatizante que o petista e democrata Daniel Herz chegou a reclamar do excesso de prerrogativas oferecidas ao Executivo.
Esta incursão na história recente carrega evidentemente algumas doses de ironia. O projeto foi recebido com absoluta naturalidade, não causou alvoroço nem comoção, não foi bombardeado pela mídia. Ao contrário, algumas matérias da Folha de S.Paulo foram até simpáticas à iniciativa do governo porque àquela altura – antes da assinatura do Tratado de Tordesilhas entre os grupos Folha e Globo – o jornal dos Frias freqüentemente se atritava com a Vênus Platinada dos Marinho. O que era extremamente salutar em matéria de oxigenação (ver, neste OI, “A chocante parceria Globo-Folha” e “Pacto Globofolha e o pacto do silêncio“)
Viés conservador
Gozação à parte, é imperioso reverter o clima fanático que está comprometendo a discussão sobre regulação da mídia. Esta inclemência e intransigência numa questão que afeta diretamente o bem-estar da população é simplesmente inadmissível. O rancor que se irradia deste debate é extremamente tóxico, e se não for atalhado pode se espalhar.
Este confronto precisa ser urgentemente despolitizado porque coloca no mesmo lado um governo taxado de neoliberal e outro, indevidamente classificado como autoritário.
A sociedade brasileira é conservadora, mas também está cansada de ser abusada pelos mercados. É, às vezes, indisciplinada, mas quer sentir-se segura e por isso gosta de regulamentos, precisa deles. Seus valores são geralmente pequeno-burgueses, mundanos, mas também é sedenta de cultura e seriedade.

12 novembro 2010

DILMA: A HISTÓRIA PASSAVA POR ALI (*)

Affonso Romano de Sant'Anna

Como saber que entre aquelas meninas de uniforme no Colégio Estadual de Belo Horizonte, estava  a futura presidente de Brasil?
 

Dilma devia estar na sala de outro professor ou talvez cursasse uma série anterior. Imagino que algum colega tenha lhe feito ler os Lusíadas:"As armas e os barões assinalados, que da ocidental praia lusitana". Definitivamente não era "assinalada", porque não era "varão", mas donzela.  

Se ela tivesse na testa a marca de que seria a primeira mulher presidente do Brasil, o colégio todo saberia. Só nas lendas e mitos as pessoas nascem com tal sinal. No Estadual ela deve ter lido também "Vidas Secas" de Graciliano Ramos, livro que a gente sempre punha na lista. E Lula, que teve a experiência concreta das "Vidas Secas", sem ler o livro, sacou algo em Dilma, e pagou prá ver.
Quando entrei para o Colégio Estadual, por concurso, em 1962, Dilma devia ter 15 anos. Teve baile de debutante? Estava pronta para debutar na política? Naquele tempo a política fervia por todos os lados. Julião criara as Ligas Camponesas exigindo " reforma agrária". Falava-se de "reforma urbana". Havia uma onda de "nacionalismo". Enfim, o clima revolucionário era tal, que publiquei  um poema que começava assim:  OUTUBRO/ OU NADA. (Como um exilado me diria 30 anos mais tarde, em vez de OUTUBRO, deu NADA).
O fato é que  quando o bicho pegou em 1964, Dilma tinha 17 anos. Não sei se estava prestando atenção no grande agito, na grande polvorosa que era o governo Jango. Imaginem, 17 anos. E Rimbaud advertia: " Não se é sério aos 17 anos". Será?
A frase é famosa, mas não é verdadeira. Também é mentira aquele papo que minha geração inventou: "Não acredite em ninguém com mais de 3o anos".
Mas se foi no Colégio Estadual que ela começou a acordar para o real, foi na Faculdade de Ciências Econômicas, ali  no cruzamento da Curitiba com Tamoios que uma dúzia de estudantes alucinados, hoje respeitáveis cientistas sociais, administradores e políticos decidiram que a história passava por ali. E Dilma estava por ali. Não  tendo na testa o sinal de presidente do Brasil,  envolveu-se com a POLOP, com Betinho, Theotônio Junior, Maria do Carmo, Juarez Brito (futuro lugar tenente de Lamarca), Ivan Otero, isto sem falar em Simon Shwartzmann, Bolivar Lamounier, Amaury Souza. Cláudio Moura Castro, Paulo Paiva. Edmar Bacha, José Murilo de Carvalho e outros elementos igualmente perigosos. Desse grupo era também Vinicius Caldeira Brant, que presidia a UNE. E vejam só: Serra, que também presidiu a UNE naquela época, declarou que seu aprendizado político passou por esse grupo de mineiros. Será que Dilma e  Serra se cruzaram nessa pré-história?
Daí por diante, nós que nunca nos encontramos no mesmo colégio e cidade, geograficamente nos afastaríamos mais. Quando começou a  despassarada guerrilha , a "caçada aos pombos" pelos
"gaviões" da repressão, adverti  aos amigos: isto não vai dar certo. O Gabeira sabe disto, foi isto que disse quando o visitei na prisão. Messianismo e rebeldia se confundiam.
E foi aí que a danadinha da Dilma, que não tinha na testa sinal de  futura  presidente do Brasil, se estrepou toda. Prisão e porrada por dois anos, em torno de 1970. Isto deve ter lhe deixado alguns sinais no corpo e na alma. Quem sabe, uma advertência de que se a presidência por acaso  se apresentasse em sua frente, seria pela tortuosa via democrática e não pela revolução. Mas imagino que não pensava nisto.
Agora vejam como  a descoberta da América nos ensina algo antigo e atual. Ou seja,  a história, a física e a navegação provam  que a curva é mais certa que a reta e pode-se ir ao Ocidente pelo Oriente. Portanto, como dizia Gilberto Gil pregando "do in": " Oriente-se rapaz! ".
E o que se experimenta agora é um momento histórico precioso e raro. Chegaram ao poder em diversos países da América do Sul e do Norte, os que eram o anti-poder, os desempoderados: o operário, o índio, o guerrilheiro, o negro e a mulher.
Nenhum deles tinha um sinal especial na testa. E no entanto...

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(*) Estado de Minas/ Correio Braziliense