07 agosto 2008

Homer Simpson e a lista suja

por Marcos Rolim*

Não sei exatamente o que podemos entender pela expressão homem médio, mas, se ela tiver algum sentido, penso que deva ser compreendida como algo aproximado ao conceito de espírito objetivo de que nos falava Hegel. Para o filósofo alemão, o espírito objetivo de uma época se plasmava no Direito (que regula as condutas externamente), na moralidade (que regula a ação pela idéia de dever) e na eticidade (espaço onde se atribui uma finalidade concreta à ação). O conceito, assim, no arcabouço magistral da filosofia clássica, identifica as regras (valores) e os projetos mais comuns em uma época; tudo aquilo, em síntese, que podemos atribuir a esta abstração reconhecida como o homem médio. Pois bem, o homem médio no Brasil não aprecia os políticos e não gosta, também, que alguém lhe recorde que os detentores de mandatos são uma expressão da sua própria vontade, convocada periodicamente às urnas. O homem médio se orgulha do seu distanciamento da política sem se dar conta de que é exatamente neste estranhamento que vicejam os pilantras em todos os partidos. Ruim, então, se falar qualquer coisa em defesa de políticos. Mesmo assim, vamos lá: a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) divulgou a lista de candidatos a prefeito que respondem a ações penais. A relação imediatamente chamada de lista suja pela imprensa agrega nomes de vários partidos e se transformou em peça de campanha política para aqueles que não estão nela e que, como resultado, se apresentam como limpos. Muita gente aplaudiu a iniciativa. Sinal dos tempos. A lista é um desserviço à nação, um atentado à Constituição e um descompromisso diante da idéia de justiça.

Talvez o homem médio seja um cidadão com determinada dificuldade diante de abstrações e, como o observou Márcio Chaer, determinadas idéias como “direito de defesa” não podem ser explicadas facilmente a Homer Simpson. Coloquemos o tema, então, da seguinte forma: imaginemos que o homem médio receba em sua casa uma intimação para prestar depoimento em uma ação penal que sabe ser motivada injustamente por um desafeto; que, ao final da instrução, o juiz do caso, convencido da inocência do homem médio, o absolva e que o Ministério Público recorra desta decisão. Diante desta hipótese, o homem médio concordaria que seu nome fosse exposto publicamente em uma lista chamada de “suja”? O fato de ele ser, eventualmente, candidato a algum posto altera algo quanto aos seus direitos? Por estas e por outras, nossa Constituição consagra o princípio da presunção da inocência, o que significa que ninguém será considerado culpado antes de sentença condenatória com trânsito em julgado (sem mais recursos).

Agora, imaginem o que a brava Associação dos Magistrados diria caso outra entidade resolvesse publicar a “lista suja dos juízes”, divulgando, por exemplo, os nomes dos magistrados que respondem a processos de correição interna. E a imprensa nacional, o que diria se tivéssemos uma “lista suja” dos proprietários dos meios de comunicação, ou dos jornalistas? E os empresários? Que tal uma “lista suja” das empresas? Não sei quais seriam as respostas do homem médio. Homer Simpson, por certo, trocaria o canal da TV.
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*Jornalista