28 dezembro 2006

MENTIRAÇO DE YEDA 1

Por Chico Vicente*



É o primeiro MENTYEDA de um governo que, mesmo antes de assumir, demonstra que não tem caráter e desrespeita o povo gaúcho.

A sociedade gaúcha está estarrecida. Pelo menos a parcela ética, digna, que acredita na palavra dada, na palavra de fio de bigode. Yeda Crusius mentiu descaradamente. Mentiu e debochou do povo gaúcho ao enviar para a Assembléia Legislativa, um pacote que contém a manutenção do tarifaço de Rigotto, a elevação da carga tributária, o desestímulo à economia gaúcha e o congelamento de salários. Quando fazíamos o balanço eleitoral e dizíamos que havíamos alcançado uma vitória política, apesar da derrota eleitoral, afirmavámos que Yeda havia se elegido escondendo seu programa e que seu dilema, durante o governo, seria manter a mentira ou mentir de outro jeito, retomando seu programa neoliberal original. De qualquer modo sofreria desgaste e trairia - ou seus princípios ou sua palavra.

Não deu outra. Antes mesmo da posse, a verdade veio à tona com o I MENTYEDA. Triste é ver os neoliberais de araque, que bradavam na campanha eleitoral contra os aumentos dos impostos, agora, alinhados, quais cordeirinhos amansados, prontos para votar no primeiro MENTYEDA deste governo que não merece o respeito do povo. Causa asco ver Rogério Mendelski apoiar esta ignomínia e Diego Casagrande se calar, de forma covarde, perante este ataque ao bolso do povo gaúcho. Quem se cala nesta hora é cúmplice e faz política de rapina qual Yeda. Na verdade, vários "locutores" e "aparelhos" da grande mídia fazem parte de um sistema de patrulhamento ideológico da direita. O negócio deles é criticar, caluniar, difamar, injuriar e mentir contra a esquerda, mesmo nos seus acertos. Quando se trata de enfrentar suas parceirias da direita, bem isto é outro assunto. Aí eles arrumam desculpas e apóiam ou se calam, mesmo quando a direita mente, rouba ou aumenta impostos.

O MENTIRAÇO da Yeda tem sérios problemas de método e de conteúdo. Significa um retrocesso à política praticada aqui nos pagos. Ele reintroduz velhos mecanismos da política, muito utilizado em outros estados da federação, especialmente em São Paulo. Por exemplo, em relação ao método, Yeda construiu um pacote, ao estilo do que faziam os governos militares, negando sua feitura. O pacote foi costurado por alguns burocratas. Nem mesmo o vice-governador eleito, Paulo Feijó, neoliberal convicto, sabia do pacote e tem se comportado como um verdadeiro líder da oposição, dizendo que "o pacote é um desastre para a economia gaúcha" e que muitas empresas irão embora do Rio Grande por causa dele. Segundo problema de método, ou melhor, de caráter, Yeda prometeu não aumentar impostose criticou o tarifaço de Rigotto. Está mantendo o tarifaço e aumentando impostos. Mentiu em dose dupla.

Em relação ao conteúdo, o desastre é pior porque o pacote, além de manter o tarifaço de Rigotto e aumentar impostos, reduz recursos dos setores produtivos e congela os salários por dois anos. A economia gaúcha apresenta resultados negativos há dezenove meses. Estas medidas equivocadas irão aprofundar ainda mais a crise financeira do Estado e a crise da economia gaúcha porque redirecionará investimentos e retirará capacidade de investimentos do setor produtivo. O PT convoca toda sua militância para derrotar o I MENTYEDA e denunciar ao povo gaúcho e brasileiro o caráter traiçoeiro e estelionatário deste governo neoliberal que, fiquem atentos, também prometeu não privatizar as estatais que Britto** não conseguiu vender.
_____
* Presidente do PT de Porto Alegre
** Antônio Britto, ex-repórter da TV Globo, urubu porta voz da morte de Tancredo Neves, ex-ministro da Previdência, envolvido em escândalos de desvio de recursos públicos que deram em pizza, ex-governador do Rio Grande do Sul, que privatizou as companhias públicas de telefones e energia eletrética e fechou a Caixa Econômica Estadual, hoje presidente do conselho da exportadora de calçados Azaléa, que levou fábricas para o Ceará, atrás de mão-de-obra barata e desempregou milhares de operários em São Sebastião do Caí, no RS.

27 dezembro 2006

Receita de Ano Novo

Carlos Drummond de Andrade

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação
como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha
ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados,
começando pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo,
eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.

23 dezembro 2006

"Ola" izquierdista en América Latina: mito y realidad

Una pesquisa de Latinobarómetro muestra que todos los mandatarios de izquierda recién electos han necesitado "los votos del centro político para salir elegidos, porque no hay suficiente electorado de izquierda para ello"; y constata que la izquierda "paradójicamente es mucho más débil que la derecha en la región", no habiendo ningún país que llegue a tener más del 34% de la población a la izquierda.
El presidente de Venezuela, Hugo Chávez, después de las últimas elecciones nacionales, proclamó que una "ola" izquierdista estaría barriendo la región. Sin embargo, resultados de una reciente pesquisa de la Corporación Latinobarómetro, realizada en 18 países latinoamericanos, no reflejan el panorama presentado por Chávez, y muestran una perspectiva mucho más matizada sobre el real avance de las izquierdas, tal como se verá a continuación.
La primera constatación de Latinobarómetro es que "la región en su conjunto se encuentra situada en el centro político, con un promedio de 5,4 en una escala de 0 a10, en la cual el 0 representa la extrema izquierda y el 10, la extrema derecha.
Otra constatación dice respecto a un grupo de países que tiene la mitad de los electores situados en la derecha política: Colombia, El Salvador, República Dominicana, Honduras y Nicaragua; y otro grupo de países con la mitad de los electores en el centro político, y con la otra mitad dividida equitativamente entre izquierda y derecha: México, Guatemala, Perú y Ecuador.
Latinobarómetro añade que en todos los países "en los cuales se han identificado presidentes de izquierda", cada uno de los mandatarios necesitó "los votos del centro político para salir elegido, porque no hay suficiente electorado de izquierda para ello"; la izquierda "paradójicamente es mucho más débil que la derecha en la región", y no hay "ningún país que llegue a tener el 34% de la población a la izquierda", excepción hecha de Uruguay.
Venezuela es considerada por Latinobarómetro como un caso "especialmente paradójico" porque con un 33% de personas en la derecha y un 40% en el centro, fue electo un presidente nítidamente de izquierda. Nicaragua también llama la atención de Latinobarómetro, una país donde el izquierdista Ortega fue elegido presidente, a pesar de una "mayoría de la población no votó por él" y, dentro de esa mayoría, "la mayor parte no se encuentra en el centro sino en la derecha".
En lo que dice respecto a Brasil, existen datos que Latinobarómetro no menciona, pero que confirman sus observaciones sobre la debilidad de la izquierda. Antes de las elecciones nacionales, el presidente y candidato Lula llegó a negar públicamente que fuera "izquierdista"; y en una de sus primeras declaraciones después de haber sido reelecto dijo que él había ido evolucionando hacia el centro, añadiendo que personas con cabellos blancos que continuasen a la izquierda, estarían, según él, "con problemas" de adaptación.
Latinobarómetro trata de explicar la paradoja venezolana, y las demás paradojas latinoamericanas, explicando que la izquierda parece haber encontrado una manera de "conquistar al centro político" y, con ello, habría encontrado una puerta de entrada para llegar al poder por la vía electoral.
No obstante, Latinobarómetro señala que la propia palabra "izquierda" ahora "es ambivalente", porque la izquierda de hoy "no es la misma cosa que era en los años 60, con los contestatarios revolucionarios que querían la dictadura del proletariado". En ese sentido, sobre los resultados electorales recientes "no se puede decir que constituyen un giro a la izquierda sin al mismo tiempo aclarar que esta izquierda es otra izquierda".
Por fin, es sintomático que el dictador de Cuba, Fidel Castro, representante prototípico de la vieja izquierda, sea el líder menos popular de las Américas.
Según Latinobarómetro, la amplia pesquisa anual que fue realizada, si se proyecta estadísticamente, representaría la opinión de 400 millones de personas. Sus constataciones no han sido impugnadas hasta el momento y tienen la virtud de colocar en su debido lugar al mito de la "ola" izquierdista que supuestamente estaría barriendo América Latina, mostrando que la realidad latinoamericana es más matizada.
Destaque Internacional - Informes de Coyuntura - Año IX - No. 205 - San José de Costa Rica - 15 de diciembre de 2006 - Responsable: Javier González
Nota: Los interesados podrán hacer download gratuito del Informe completo de Latinobarómetro, en formato pdf, haciendo clic en el siguiente link:
http://www.latinobarometro.org/fileadmin/intranet/Informe_Latinobarometro_2006.pdf

22 dezembro 2006

O Tempo preciso da política

A política tem sempre o tempo certo, nem mais e nem menos. Qualquer tempo perdido o jogo vira e o inimigo fica sentado na beira da estrada esperando “a morte chegar com a boca escancara cheia de dentes”.
Para quem não acompanhou: o Prefeito de Maringá queria terceirizar a coleta do Lixo, o PT atacou com a sociedade mostrando que o edital estava organizado de forma lesiva para a administração pública, o Prefeito contra-atacou no tempo errado e quase chorando dizendo que o PT também fez isso e não provou. Tempo errado e discurso impreciso.
O Tribunal de Contas do Paraná agiu e acabou com a Licitação de Terceirização do Lixo de Maringá via aquele Edital.
Pior, o Tribunal de Contas acabou também com o Dilema do Prefeito de Maringá. O Dilema dele:
se cancela a licitação do Lixo, o PT pega, se continua a licitação do Lixo o Tribunal de Contas come.
Isso é o melhor exemplo da política feita no tempo certo, e a ausência dela no tempo errado, resultado?
Simples, quando se perde o tempo político, se perde nos dois momentos, agora ele foi pego e comido.

O partido do Prefeito mente para terceirizar o lixo em Maringá, afirma nota do PT

O Partido Progressista, partido do Prefeito Silvio Barros, divulgou um panfleto, no dia do ato público contra a terceirização do lixo em Maringá, 20/12, afirmando que o Partido dos Trabalhadores tentou terceirizar o lixo em Maringá no ano de 2004. Sobre o conteúdo desse panfleto, o Partido dos Trabalhadores tem a declarar o que segue:


O partido do Prefeito mente para terceirizar o lixo em Maringá


1. O partido do Prefeito Silvio Barros, Partido Progressista – PP, mais uma vez mente para a população maringaense quando diz que o Partido dos Trabalhadores de Maringá–PT tentou terceirizar o lixo de toda Maringá. O panfleto intitulado “PT de Maringá tentou terceirizar o lixo em 2004 (provado com documentos)” está cheio de inverdades e é contraditório, pois ao mesmo tempo que afirma o interesse do PT de terceirizar a coleta de lixo, em anexo, o aviso de licitação, a qual não saiu do papel, previa apenas a contratação de execução de serviço de varrição e o seu transporte da área central da cidade;

2. O processo licitatório da varrição, não evoluiu por única e exclusiva decisão política do PT que preferiu priorizar a valorização do serviço e do servidor público. O Governo do PT durante os quatro anos, investiu na modernização da frota com aquisição de nove caminhões coletores de lixo e a contratação de novos coletores. Assim pode fazer também o Prefeito Silvio Barros;

3. Na prestação de contas de 2005, a atual Administração informou ao Tribunal de Contas do Estado, em 14/04/2006 – anexo 07 – que os gastos com a coleta foram de R$ 3.012.422,39, o que significa R$ 27, 89 por tonelada e a previsão orçamentária para 2006 da ordem de 3.511.000,00, o que dá os R$ 32,51. De onde o PP tirou os R$ 70,00 reais que diz ser atualmente o gasto da Prefeitura com a coleta? Quem será realmente que está mentindo para a população?

4. O Partido dos Trabalhadores de Maringá junto com as entidades legítimas e que gozam de respeito local, nacional e internacional estão enviando ao Prefeito relatório do estudo apontando a inviabilidade da terceirização e apresentando soluções que gerem mais economia aos cofres públicos, conseqüentemente, ao bolso da população, e, contribuindo dessa forma com o desenvolvimento e crescimento de toda a Maringá.


Partido dos Trabalhadores de Maringá
Assessoria

20 dezembro 2006

LEALDADE, por Rodrigo Viana

Quando cheguei à TV Globo, em 1995, eu tinha mais cabelo, mais esperança, e também mais ilusões. Perdi boa parte do primeiro e das últimas. A esperança diminuiu, mas sobrevive. Esperança de fazer jornalismo que sirva pra transformar - ainda que de forma modesta e pontual. Infelizmente, está difícil continuar cumprindo esse compromisso aqui na Globo. Por isso, estou indo embora.Quando entrei na TV Globo, os amigos, os antigos colegas de Faculdade, diziam: "você não vai agüentar nem um ano naquela TV que manipula eleições, fatos, cérebros". Agüentei doze anos. E vou dizer: costumava contar a meus amigos que na Globo fazíamos - sim - bom jornalismo. Havia, ao menos, um esforço nessa direção.Na última década, em debates nas universidades, ou nas mesas de bar, a cada vez que me perguntavam sobre manipulação e controle político na Globo, eu costumava dizer: "olha, isso é coisa do passado; esse tempo ficou pra trás".Isso não era só um discurso. Acompanhei de perto a chegada de Evandro Carlos de Andrade ao comando da TV, e a tentativa dele de profissionalizar nosso trabalho. Jornalismo comunitário, cobertura política - da qual participei de 98 a 2006. Matérias didáticas sobre o voto, sobre a democracia. Cobertura factual das eleições, debates. Pode parecer bobagem, mas tive orgulho de participar desse momento de virada no Jornalismo da Globo.Parecia uma virada. Infelizmente, a cobertura das eleições de 2006 mostrou que eu havia me iludido. O que vivemos aqui entre setembro e outubro de 2006 não foi ficção. Aconteceu.Pode ser que algum chefe queira fazer abaixo-assinado para provar que não aconteceu. Mas, é ruim, hem! Intervenção minuciosa em nossos textos, trocas de palavras a mando de chefes, entrevistas de candidatos (gravadas na rua) escolhidas a dedo, à distância, por um personagem quase mítico que paira sobre a Redação: "o fulano (e vocês sabem de quem estou falando) quer esse trecho; o fulano quer que mude essa palavra no texto".Tudo isso aconteceu. E nem foi o pior.Na reta final do primeiro turno, os "aloprados do PT" aprontaram; e aloprados na chefia do jornalismo global botaram por terra anos de esforço para construir um novo tipo de trabalho aqui.Ao lado de um grupo de colegas, entrei na sala de nosso chefe em São Paulo, no dia 18 de setembro, para reclamar da cobertura e pedir equilíbrio nas matérias: "por que não vamos repercutir a matéria da "Istoé", mostrando que a gênese dos sanguessugas ocorreu sob os tucanos? Por que não vamos a Piracicaba, contar quem é Abel Pereira?"Por que isso, por que aquilo... Nenhuma resposta convincente. E uma cobertura desastrosa. Será que acharam que ninguém ia perceber?Quando, no JN, chamavam Gedimar e Valdebran de "petistas" e, ao mesmo tempo, falavam de Abel Pereira como empresário ligado a um ex-ministro do "governo anterior", acharam que ninguém ia achar estranho?Faltando seis dias para o primeiro turno, o "petista" Humberto Costa foi indiciado pela PF. No caso dos vampiros. O fato foi parar em manchete no JN, e isso era normal. O anormal é que, no mesmo dia, esconderam o nome de Platão, ex-assessor do ministério na época de Serra/Barjas Negri. Os chefes sabiam da existência de Platão, pediram a produtores pra checar tudo sobre ele, mas preferiram não dar. Que jornalismo é esse, que poupa e defende Platão, mas detesta Freud! Deve haver uma explicação psicanalítica para jornalismo tão seletivo!Ah, sim, Freud. Elio Gaspari chegou a pedir desculpas em nome dos jornalistas ao tal Freud Godoy. O cara pode ter muitos pecados. Mas, o que fizemos na véspera da eleição foi incrível: matéria mostrando as "suspeitas", e apontando o dedo para a sala onde ele trabalhava, bem próximo à sala do presidente... A mensagem era clara. Mas, quando a PF concluiu que não havia nada contra ele, o principal telejornal da Globo silenciou antes da eleição.Não vi matérias mostrando as conexões de Platão com Serra, com os tucanos.Também não vi (antes do primeiro turno) reportagens mostrando quem era Abel Pereira, quem era Barjas Negri, e quais eram as conexões deles com PSDB. Mas vi várias matérias ressaltando os personagens petistas do escândalo. E, vejam: ninguém na Redação queria poupar os petistas (eu cobri durante meses o caso Santo André; eram matérias desfavoráveis a Lula e ao PT, nunca achei que não devêssemos fazer; seria o fim da picada...). O que pedíamos era isonomia. Durante duas semanas, às vésperas do primeiro turno, a Globo de São Paulo designou dois repórteres para acompanhar o caso dossiê: um em São Paulo, outro em Cuiabá. Mas, nada de Piracicaba, nada de Barjas.!Um colega nosso chegou a produzir, de forma precária, por telefone (vejam, bem, por telefone! Uma TV como a Globo fazer reportagem por telefone), reportagem com perfil do Abel. Foi editada, gerada para o Rio. Nunca foi ao ar!Os telespectadores da Globo nunca viram Serra e os tucanos entregando ambulâncias cercados pelos deputados sanguessugas. Era o que estava na tal fita do "dossiê". Outras TVs mostraram o vídeo, a internet mostrou. A Globo, não. Provava alguma coisa contra Serra? Não. Ele não era obrigado a saber das falcatruas de deputados do baixo clero. Mas, por que demos o gabinete de Freud pertinho de Lula, e não demos Serra com sanguessugas?E o caso gravíssimo das perguntas para o Serra? Ouvi, de pelo menos 3 pessoas diretamente envolvidas com o SP-TV Segunda Edição, que as perguntas para o Serra, na entrevista ao vivo no jornal, às vésperas do primeiro turno, foram rigorosamente selecionadas. Aquele diretor (aquele, vocês sabem quem) teria mandado cortar todas as perguntas "desagradáveis". A equipe do jornal ficou atônita. Entrevistas com os outros candidatos tinham sido duras, feitas com liberdade. Com o Serra, teria havido, deliberadamente, a intenção de amaciar.E isso era um segredo de polichinelo. Muita gente ouviu essa história pelos corredores...E as fotos da grana dos aloprados? Tínhamos que publicar? Claro. Mas, porque não demos a história completa? Os colegas que estavam na PF naquele dia (15 de setembro), tinham a gravação, mostrando as circunstâncias em que o delegado vazara as fotos. Justiça seja feita: sei que eles (repórter e produtor) queriam dar a matéria completa - as fotos, e as circunstâncias do vazamento. Podiam até proteger a fonte, mas escancarando o que são os bastidores de uma campanha no Brasil. Isso seria fazer jornalismo, expor as entranhas do poder.Mais uma vez, fomos seletivos: as fotos mostradas com estardalhaço. A fita do delegado, essa sumiu!Aquele diretor, aquele que controla cada palavra dos textos de política, disse que só tomou conhecimento do conteúdo da fita no dia seguinte. Quer que a gente acredite?Por que nunca mostraram o conteúdo da fita do delegado no JN?O JN levou um furo, foi isso? Um colega nosso, aqui da Globo ouviu a fita e botou no site pessoal dele... Mas, a Globo não pôs no ar... O portal "G-1" botou na íntegra a fita do delegado, dias depois de a "CartaCapital" ter dado o caso. Era noticia? Para o portal das Organizações Globo, era.Por que o JN não deu no dia 29 de setembro? Levou um furo?Não. Furada foi a cobertura da eleição. Infelizmente.E, pra terminar, aquele episódio lamentável do abaixo-assinado, depois das matérias da "CartaCapital". Respeito os colegas que assinaram. Alguns assinaram por medo, outros por convicção. Mas, o fato é que foi um abaixo-assinado em defesa da Globo, apresentado por chefes!Pensem bem. Imaginem a seguinte hipótese: a revista "Quatro Rodas" dá matéria falando mal da suspensão de um carro da Volkswagen, acusando a empresa de deliberadamente não tomar conhecimento dos problemas. Aí, como resposta, os diretores da Volks têm a brilhante idéia de pedir aos metalúrgicos pra assinar um manifesto em defesa da empresa! O que vocês acham? Os metalúrgicos mandariam a direção da fábrica catar coquinho em Berlim!Aqui, na Globo, muitos preferiram assinar. Por isso, talvez, tenhamos um metalúrgico na Presidência da República, enquanto os jornalistas ficaram falando sozinhos nessa eleição...De resto, está difícil continuar fazendo jornalismo numa emissora que obriga repórteres a chamarem negros de "pretos e pardos". Vocês já viram isso no ar? Sinto vergonha...A justificativa: IBGE (e, portanto, o Estado brasileiro) usa essa nomenclatura. Problema do IBGE. Eu me recuso a entrar nessa. Delegados de policia (representantes do Estado) costumavam (até bem pouco tempo) tratar companheiras (mesmo em relações estáveis) como "concubinas" ou "amásias". Nunca usamos esses termos!Árabes que chegaram ao Brasil no início do século passado eram chamados de "turcos" pelas autoridades (o passaporte era do Império Turco Otomano, por isso a nomenclatura). Por causa disso, jornalistas deviam chamar libaneses de turcos?Daqui a pouco, a Globo vai pedir para que chamemos a Parada Gay de "Parada dos Pederastas". Francamente, não tenho mais estômago.Mas, também, o que esperar de uma Redação que é dirigida por alguém que defende a cobertura feita pela Globo na época das Diretas?Respeito a imensa maioria dos colegas que ficam aqui. Tenho certeza que vão continuar se esforçando pra fazer bom Jornalismo. Não será fácil a tarefa de vocês.Olhem no ar. Ouçam os comentaristas. As poucas vozes dissonantes sumiram. Franklin Martins foi afastado. Do Bom dia Brasil ao JG, temos um desfile de gente que está do mesmo lado.Mas sabem o que me deixou preocupado mesmo? O texto do João Roberto Marinho depois das eleições. Ele comemorou a reação (dando a entender que foi absolutamente espontânea; será que disseram isso pra ele? Será que não contaram a ele do mal-estar na Redação de São Paulo?) de jornalistas em defesa da cobertura da Globo:"(...)diante de calúnias e infâmias, reagem, não com dúvidas ou incertezas, mas com repúdio e indignação. Chamo isso de lealdade e confiança".Entendi. Ele comemora que não haja dúvidas e incertezas... Faz sentido. Incerteza atrapalha fechamento de jornal. Incerteza e dúvida são palavras terríveis. Devem ser banidas. Como qualquer um que diga que há racismo - sim - no Brasil. E vejam o vocabulário: "lealdade e confiança". Organizações ainda hoje bem populares na Itália costumam usar esse jargão da "lealdade".Caro João, você talvez nem saiba direito quem eu sou. Mas, gostaria de dizer a você que lealdade devemos ter com princípios, e com a sociedade. A Globo, infelizmente, não foi "leal" com o público. Nem com os jornalistas.Vai pagar o preço por isso. É saudável que pague. Em nome da democracia!João, da família Marinho, disse mais no brilhante comunicado interno:"Pude ter certeza absoluta de que os colaboradores da Rede Globo sabem que podem e devem discordar das decisões editoriais no trabalho cotidiano que levam à feitura de nossos telejornais, porque o bom jornalismo é sempre resultado de muitas cabeças pensando".Caro João, em que planeta você vive? Várias cabeças? Nunca, nem na ditadura (dizem-me os companheiros mais antigos) tivemos na Globo um jornalismo tão centralizado, a tal ponto que os repórteres trabalham mais como bonecos de ventríloquos, especialmente na cobertura política!Cumpro agora um dever de lealdade: informo-lhe que, passadas as eleições, quem discordou da linha editorial da casa foi posto na "geladeira". Foi lamentável, caro João. Você devia saber como anda o ânimo da Redação - especialmente em São Paulo.Boa parte dos seus "colaboradores" (você, João, aprendeu direitinho o vocabulário ideológico dos consultores e tecnocratas - "colaboradores", essa é boa... Eu não sou colaborador, coisa nenhuma! Sou jornalista!) está triste e ressabiada com o que se passou.Mas, isso tudo tem pouca importância.Grave mesmo é a tela da Globo - no Jornalismo, especialmente - não refletir a diversidade social e política brasileira. Nos anos 90, houve um ensaio, um movimento em direção à pluralidade. Já abortado. Será que a opção é consciente?Isso me lembra a Igreja Católica, que sob Ratzinger preferiu expurgar o braço progressista. Fez uma opção deliberada: preferiram ficar menores, porém mais coesos ideologicamente. Foi essa a opção de Ratzinger. Será essa a opção dos Marinho?Depois, não sabem porque os protestantes crescem... Eu, que não sou católico nem protestante, fico apenas preocupado por ver uma concessão pública ser usada dessa maneira!Mas, essa é também uma carta de despedida, sentimental.Por isso, peço licença pra falar de lembranças pessoais.Foram quase doze anos de Globo.Quando entrei na TV, em 95, lá na antiga sede da praça Marechal, havia a Toninha - nossa mendiga de estimação, debaixo do viaduto. Os berros que ela dava em frente à entrada da TV traziam uma dimensão humana ao ambiente, lembravam-nos da fragilidade de todos nós, de como nossa razão pode ser frágil.Havia o João Paulada - o faz-tudo da Redação.Havia a moça do cafezinho (feito no coador, e entregue em garrafas térmicas), a tia dos doces...Era um ambiente mais caseiro, menos pomposo. Hoje, na hora de dizer tchau, sinto saudade de tudo aquilo.Havia bares sujos, pessoas simples circulando em volta de todos nós - nas ruas, no Metrô, na padaria.Todos, do apresentador ao contínuo, tinham que entrar a pé na Redação. Estacionamentos eram externos (não havia "vallet park", nem catraca eletrônica). A caminhada pelas calçadas do centro da cidade obrigava-nos a um salutar contato com a desigualdade brasileira.Hoje, quando olho pra nossa Redação aqui na Berrini, tenho a impressão que estou numa agência de publicidade. Ambiente asséptico, higienizado. Confortável, é verdade. Mas triste, quase desumano.Mas, há as pessoas. Essas valem a pena.Pra quem conseguiu chegar até o fim dessa longa carta, preciso dizer duas coisas...1) Sinto-me aliviado por ficar longe de determinados personagens, pretensiosos e arrogantes, que exigem "lealdade"; parecem "poderosos chefões" falando com seus seguidores... Se depender de mim, como aconteceu na eleição, vão ficar falando sozinhos.2) Mas, de meus colegas, da imensa maioria, vou sentir saudades.Saudades das equipes na rua - UPJs que foram professores; cinegrafistas que foram companheiros; esses sim (todos) leais ao Jornalismo. Saudades dos editores - que tiveram paciência com esse repórter aflito e procuraram ser leais às minúcias factuais.Saudades dos produtores e dos chefes de reportagem - acho que fui leal com as pautas de vocês e (bem menos) com os horários!Saudades de cada companheiro do apoio e da técnica - sempre leais. Saudades especialmente, das grandes matérias no Globo Repórter - com aquela equipe de mestres (no Rio e em São Paulo) que aos poucos vai se desmontando, sem lealdade nem respeito com quem fez história (mas há bravos resistentes ainda).Bem, pelo tom um tanto ácido dessa carta pode não parecer. Mas levo muita coisa boa daqui. Perdi cabelos e ilusões. Mas, não a esperança.Um beijo a todos.

Rodrigo Vianna.

Publicado no Terra Magazine, coluna de Bob Fernandes.

18 dezembro 2006

Porto Alegre Tri Legal

Daiane – Alô! E aí? Tava boa a festa? Eles sabem assar carne por aí?
Pato – Pô! Foi manero. A maior balada. A picanha é até parecida. A costela é que veio muito magra, sei lá, deve ser o corte. Não pinga aquela gordura. Nem dá pra engraxar os bigodes. Também porque não tenho isso ainda.
João – E aí... O batepapo de comida tá me deixando com fome. Quem sabe a gente marca uma ponte na quarta pra conferir as redondas, trocar figurinhas e coisa e tal...
Vou ficar por aqui pra não tripudiar:
Porto Alegre
Daiane dos Santos – Medalha de ouro (mais uma vez) no mundial de ginástica.
Alexandre Pato – Medalha de ouro no Mundial de Clubes.
João Derli – Medalha de Ouro no Mundial de Judô.
(Ah! Inter e Grêmio são Campeões Mundiais Interclubes e Ronaldinho Gaúcho é daqui também.)

15 dezembro 2006

Não seja bonzinho, pagando o imposto dos Marinho

Criança Esperança - Você pagando o imposto da Rede Globo

Quando a Rede Globo diz que a campanha Criança Esperança não gera lucro é mentira.
Por quê?
No mês de Abril do ano seguinte, ela (TV Globo) entrega o imposto de renda da empresa com um seguinte desconto:
- Doação feita à Unicef - valor anunciado publicamente como arrecadado no Criança Esperança.
Ou seja, a Rede Globo já desconta pelo menos 20 e tantos milhões do
imposto de renda graças às pessoas que fazem as doações.
Agora vai você colocar no seu imposto de renda que doou 7, 15, 30 ou mais
pro "criança esperança" e terá a declaração glosada.
Sabe por que você não pode?
Porque Criança Esperança é uma marca somente e não uma entidade beneficente.
Já a doação feita com o seu dinheiro para o Unicef é aceita.
E não há crime algum aí, você doou à Rede Globo um dinheiro que pode ter sido entregue à Unicef, porém é descontado na Receita Federal como doação da Rede Globo e não sua.
Então, se você quer mesmo ajudar, ajude as crianças diretamente nas
entidades de sua cidade.

Recebido de pedro ciarlo [pgfciarlo@yahoo.com.br]

11 dezembro 2006

PARTICIPAÇÃO POPULAR: UM POUCO DE HISTÓRIA

Ao longo da história da humanidade, os trabalhadores foram alvo de grandes elaborações teóricas, ora como justificativa para restringir o acesso às informações e decisões, ora como razões para ampliação e descentralização das decisões e do poder. Os espaços decisórios e o grau de intervenção estiveram, e ainda estão em disputa. A exclusão dos trabalhadores da condição de sujeitos ativos foi, e continua sendo o “padrão educativo desejado” como um dos fatores. A “falta de preparação, de formação, de cultura, de educação”, tornaram-se senso comum como explicação e justificativa para que não tivessem o direito à participação ampla e à interferência nos processos decisórios.

Na época da escravidão, os escravos eram considerados incapazes de pensar, prever, optar, devendo, por isso, estar exclusivamente voltados para atividades físicas que assegurassem sua sobrevivência e a dos seus donos. Os escravos estavam excluídos de qualquer processo de participação política, a participação estava restrita ao esforço físico permanente sem nem mesmo o reconhecimento por tal ação.

Na condição de servos na Idade Média, os trabalhadores estavam inclusive restritos à uma área de terra específica sob o domínio de seus senhores e com amplas obrigações em relação a estes.

No liberalismo, na Inglaterra do século XVII, o sufrágio universal excluía o direito de voto dos assalariados, dos mendigos e das mulheres, que representavam a esmagadora maioria da população do planeta. Argumentava-se que só os proprietários poderiam pensar e agir racionalmente, enquanto que

"...os assalariados são incapazes de governar suas vidas por princípios de ordem moral e, nas raras vezes em que elevam seus pensamentos acima de sua subsistência, a única espécie de ação política que empreendem é a ação armada[1]" .

A participação com caráter de decisão existia para os segmentos comprometidos com as ações de Governo. No entanto para ampla maioria da população a participação estava restrita a assistir e executar o que outros pensavam e ordenavam.

Já no século XVIII, com o chamado "racionalismo ilustrado", para agir e interferir na sociedade era preciso indivíduos conscientes, livres e responsáveis, produto das capacidades individuais. Como tudo dependia do indivíduo e de suas capacidades pessoais, e considerando que as diferenças sociais do período eram enormes, fica evidenciado que apenas os que possuíam riqueza poderiam ter acesso à participação das decisões. A participação nas decisões ficava restrita aos mais afortunados pela herança e destino.

Entretanto, com a concentração do capital, com a Revolução Industrial, com o avanço e a concentração tecnológica, com a especulação financeira, entra em crise o modelo de regulação social. É neste contexto que os movimentos populares, novos sujeitos políticos coletivos, se consolidam como agentes de pressão por mudança. A busca por direitos deixa de ser uma luta individual, solitária e heróica para ser uma ação coletiva.

A partir da Revolução Francesa[2], ocorreram mudanças profundas na ordem econômica, social e cultural em grande parte do planeta. Novas concepções de trabalho, de propriedade, de tempo organizavam um modelo de sociedade que exigiu alterações na mobilidade e participação social.

Estas transformações profundas, assim como no passado em menor escala, já demonstravam que as manifestações e revoltas por igualdade econômica, política e social, eram as expressões da participação popular possível diante de estruturas tão repressivas e excludentes. Era fundamental, então, incluir para garantir a ordem social. Coube ao Estado incentivar, facilitar e até impor, a necessidade do aprendizado mínimo para atender às demandas do período, ou seja, ler, contar, aprender noções iniciais de geometria, de mecânica, a formação dos hábitos desejáveis, enfim, tudo que fosse necessário à formação da mão-de-obra necessária à produção, a "formação e produção da mercadoria trabalho[3]" .

Observamos um avanço considerável na participação popular neste período. O acesso a uma parcela importante do conhecimento deixou de ser privilégio de uns poucos e gradativamente milhares de trabalhadores partilhavam do conhecimento produzido pela humanidade.

Entretanto, os trabalhadores não eram considerados sujeitos, deveriam ser passivos e obedientes, pois o que interessava era que convivessem de forma disciplinada, de forma ordeira e, portanto, menos propensos à participação em movimentos junto àqueles que propunham mudanças.

No século XIX, a participação popular obteve avanço significativo, acesso ao conhecimento, ampliação dos direitos e maior mobilidade social. Contudo foram outorgados, eram "dádivas" do Estado e este controlava a ação das camadas médias e reprimia qualquer tipo de manifestação popular.

No século XX, a intervenção do Estado se deu na garantia dos direitos civis através de normas e contratos, as relações sociais se tornaram mais complexas. Os deveres dos cidadãos são bem mais enfatizados do que seus direitos. A ênfase passa a ser a obrigação moral, o respeito à ordem regulada pelo Estado. “O que deles se espera não é que participem como sujeitos de direitos, agentes dessa ordem, mas que a respeitem, que controlem os instintos[4]“.

Na história do Brasil a participação popular, embora vinculada ao processo histórico da civilização ocidental, tem contornos distintos e muito próprios.

Nunca estivemos longe de movimentos por maior ampliação da participação popular no Brasil. Durante o período colonial diferentes grupos, e por razões igualmente distintas, lutaram para implementarem seus ideais.

No entanto, seja pelo colonizador, pelas elites regionais, ou pelas correntes imigratórias européias, estabeleceu-se no Brasil um modelo de participação popular que procurou encobrir a prática social e política dos excluídos econômica e socialmente. Um exemplo disto é a frase de Aristides Lobo[5], quando afirma que o povo assistiu bestializado[6] a Proclamação da República. A idéia expressa por Aristides Lobo demonstra que o esperado, naquele momento, seria uma grande manifestação de rua do povo, que assistira, passivamente, a tudo “bestializado”. A expressão usada revela a concepção de cidadania vigente à época da mudança do regime. De fato não houve manifestações de rua ao velho estilo europeu.

Contrariando o modelo pré-concebido, a participação popular materializava-se cotidianamente através da “carnavalização” das ações das quais as massas populares estavam excluídas. Isto se dava através das sátiras, das piadas e de desenhos de humor e caricaturas que circulavam entre a população e até na imprensa.

Este tipo de manifestação, muito mais intensa hoje, na época já se mostrava como a participação popular genuína, diferente de qualquer tipo de padrão europeu.

Podemos dizer então, que a participação popular existente naquele período contrariava a passividade que Aristides Lobo acreditava ter ocorrido, como abordaremos em outro texto.

A República Velha traria algumas novidades para a participação, mas ainda dentro dos parâmetros do voto para homens livres com uma determinada renda.

A partir de 1930 o Estado cria condições favoráveis para a participação e a população vem para as ruas para apoiar iniciativas de lideranças da institucionalidade, fossem elas do Governo constituído ou das organizações sindicais vinculadas à política governamental.

Ao logo do século XX se consolida uma sociedade civil com organizações populares - sujeitos coletivos - mais fortes e representativos, de partidos políticos menos regionais, e uma cidadania onde o indivíduo tem garantido a possibilidade de participação social como produtores, consumidores e contribuintes. Como eleitores - delegando poderes à outros -, independente de classe social e de outras diferenças existentes também adquirem estabilidade. Enquanto indivíduo, dentro de parâmetros da cidadania liberal: liberdade e igualdade são a roupagem.

“A prática e a "garantia" dos direitos voltava-se muito mais para defender os interesses da propriedade do que dos trabalhadores, pois os direitos fundamentais da Cidadania Liberal são aqueles do indivíduo privado, atomizado, o proprietário dos bens materiais. A liberdade e igualdade realizar-se-ão no mercado, que é a esfera de integração dos indivíduos autônomos, atomizados, e a relação que se estabelece entre eles é a relação de troca, com cada um trocando o que tem: o capital ou a força-de-trabalho[7].”

Embora o indivíduo esteja fortalecido, não é possível enfrentar o Estado em igualdade de condições. Há neste momento flagrante desigualdade, já que o Estado é infinitamente mais poderoso para absorver e diluir o impacto na relação Cidadão e Estado. Com isso os sujeitos coletivos são reforçados e os conflitos destes com o aparelho de Estado resultam em conquistas consideráveis no âmbito da Participação Popular.

Do ponto de vista do indivíduo restava a possibilidade de participação ao delegar à outros a tomada de decisões, de legislar, de julgar e executar. São os que possuem mandato ou seus representantes que assumem o papel de agentes políticos de fato. No entanto entendemos por democracia algo maior.

“Ampliar e qualificar a Participação Popular são condições para praticar e consolidar a democracia Participativa, na qual, ser cidadão não é apenas votar e delegar poder, mas, principalmente, participar, interferir nas definições políticas, econômicas e sociais[8]”.

Essa afirmação aponta para a construção de

"(...) um regime político em que há condições efetivas de socialização do poder. Os cidadãos não são apenas a fonte da soberania, mas podem exercê-la, participando das decisões que afetam a sociedade como um todo[9]".

A ampliação da capacidade de “interferir nas definições políticas, econômicas e sociais” exige o diálogo, a troca de opiniões e a capacidade de convencimento dos indivíduos. É aí que o papel das organizações populares da sociedade civil possuem grande destaque na ampliação da participação, justamente na capacidade de conjugação de interesses individuais e coletivos.

“Para que de fato a Participação Popular aconteça de forma mais qualificada, é fundamental que as camadas populares se organizem, já que ela expressará a ação de setores organizados da sociedade, através de canais próprios, com autonomia em relação às instituições políticas e sociais do conjunto da sociedade[10]”.

Portanto, é essencial a organização das camadas populares como elemento básico para viabilizar a Participação Popular com autonomia. É evidente que essa necessidade de organização se dá em função de necessidades imediatas das camadas populares, que se articuladas entre si na perspectiva de conquistar seus objetivos, poderá obter sucesso. São essas necessidades imediatas, como o acesso e controle a serviços, a regulação fundiária ou ainda a criação de mecanismos de fiscalização de atos de discriminação, que são capazes de mobilizar as camadas populares para a participação.

É justamente diante do desafio de fortalecer as diferentes expressões de organizações populares que inicia no Brasil, sobretudo a partir da década de 80 do século passado, o reforço das instâncias coletivas como os Conselhos Municipais, da criação e consolidação do Orçamento Participativo e do Congresso da Cidade, temas que abordaremos em outros textos. É dentro deste contexto que avançar e ampliar a participação popular exige a garantia de espaços coletivos e acesso às informações e dados necessários para interferir nas decisões e na aplicação de políticas públicas. Neste caso o acesso às informações e dados representa a possibilidade de interpretar, analisar e conhecer a realidade na perspectiva de transformá-la. Um conhecimento da realidade não formal, ou eventual, mas como

“um processo sistemático e intencionado de compreensão da prática social para transformá-la de maneira consciente, em função de processos organizativos concretos e na perspectiva da construção do projeto histórico[11]”.

É um conhecimento construído coletivamente a partir do resgate das práticas sociais e políticas, dos acontecimentos desde o nível da aparência até a essência – desvelando a realidade – e das múltiplas relações que se possa estabelecer em cada caso.

Em outras palavras, ler a realidade a partir do lugar social e coletivo de cada instância.


[1] ARROYO, Miguel G. Educação e exclusão da cidadania. in: BUFFA, Ester; ARROYO, Miguel G.; NOSELLA, Paolo. Educação e cidadania: quem educa o cidadão? São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1987, p. 45.

[2] Foi resultado da revolta das camadas urbanas (moradores dos burgos) contra a monarquia e o clero, com as bandeiras de igualdade, liberdade e fraternidade, e concebendo todos os indivíduos com os mesmos direitos enquanto cidadãos, a Revolução Francesa tornou-se um marco nas lutas sociais, ocorrida na Europa no século XVIII.

[3] ARROYO, Miguel G. Obra citada, p. 55.

[4] ARROYO, Miguel G. Obra citada, p. 59.

[5] Aristides Lobo era um propagandista da República.

[6] A expressão bestializados, para se referir ao modo como o povo brasileiro viu a Proclamação da República foi proposta por Aristides Lobo em carta publicada no jornal Diário Popular de São Paulo em 18 de novembro de 1889. Apud: CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados, 3a. ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1987, p 9 e 165

[7] PETRI, Julia Dulcinéa “Vila Tronco: participação popular e cidadania em questão” Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação para obtenção do título de Mestre em Educação. Porto Alegre. 1992, pág. 38.

[8] PETRI, Julia Dulcinéa, obra citada, pág. 30

[9] TEIXEIRA, Elenaldo Celso. "Representação política e Participação Popular",in: RIBEIRO, Darcy, et alii. "Eleição, democracia e Cidadania. Salvador, OEA/UFBA e EGBA. 1990, pag. 63.

[10] PETRI, Julia Dulcinéa, obra citada pág. 30.

[11] LEIS, Raul. "El arco e la flecha. Apuntes sobre metodologia y prática transformadora."

PARTICIPAÇÃO POPULAR: POVO PACÍFICO?

“Muitos dizem que nós, brasileiros, não entendemos de guerra. Que somos um povo pacífico, passivo, idiotas cordiais. Besteira grossa. Vá passar um final de semana na Rocinha, e vá ver se somos tão cordiais assim![1]Miguel do Rosário.

Durante décadas li, ouvi, absorvi falas indigestas de professores – não educadores - e políticos, dos mais velhos – menos de minha família que nunca acreditou nestas idiotices – afirmarem e defenderem a tese do “povo pacífico, passivo, ordeiro, cordial, festivo”, tudo dentro dos conformes, das regras e da ordem sem progresso. Numa destas idas e vindas da vida escolar, escutei uma “máxima da época” que dizia assim:

“Enquanto o baiano descansa, o mineiro conversa, o paulista trabalha, o carioca festeja, o gaúcho governa.”

Estereótipos à parte e preconceitos condenáveis, a tal “máxima” revela a tentativa de mostrar que tudo estava em seu lugar, funcionando como relógio parado “que está sempre certo, pelo menos duas vezes ao dia”.

Ilusão. Não, não era ilusão, ideologia bem construída para convencer pela repetição, pelas manchetes da televisão que tudo começava e terminava em festa. Havia – e de certa forma ainda há – uma conspiração (in)consciente, coletiva, ardilosa e bem estruturada para consolidar um ideário de passividade, de comportamento coletivo dócil e gentílico.

Fernando de Brito Alves[2] escreve que:

Há que se observar, preliminarmente, que a independência do Brasil foi relativamente pacífica, ao contrário da maioria dos países latino-americanos, onde houve grandes guerras de libertação, ou a mobilização de grandes exércitos promovidas por grandes líderes, ou ainda revolta libertadoras lideradas por populares. A independência do Brasil foi, na verdade, um grande acordo, mediado por D. Pedro, entre as elites nacionais e a coroa portuguesa.

O papel do povo não foi irrelevante, mas, certamente, diminuto, tanto na independência quanto na proclamação da república. O clima de estabilidade facilitou a transição, e o regime de governo implantado foi a monarquia constitucional e representativa ao modo europeu, se bem que além dos poderes tradicionais, manteve resquícios do absolutismo com a criação do quarto poder (o Moderador). A independência foi, ao mesmo tempo, liberal e conservadora: representou um avanço com relação aos direitos políticos, já que, no período anterior, os nacionais não tinham o mesmo acesso à corte que os reinóis e manteve a escravidão, não provocando qualquer mudança com relação aos direitos civis.

O problema é que eu olhava para os lados e não conseguia ver assim. Menino e adolescente, intuitivo e sempre alertado no lar por uma família crítica – brizolistas, anti-militares, com um irmão comunista – logo, curioso por natureza, procurava algo nos livros de história que contrariasse aquela passividade que me dava idéia de que a felicidade era baixar a cabeça e obedecer, como soldado respeitando a velha hierarquia militar da ditadura.

Evidente que problemas eu tive, folhava livros didáticos de história – ainda bem censurados – e via que contradição havia. Insurreições, esquartejamentos por todos os cantos, Revoltas aqui, revoluções populares ou elitistas ali, manifestações duras de ricos ou pobres, negros fugindo da escravidão, índios em guerras, guerras e protestos, greves enormes, manifestações gigantes... Comecei a acreditar que de outro país se falava ou que no Brasil não morava.

Li, reli, e nada. Via um outro país chamado Brasil de brasileiros que lutaram, reclamaram, protestaram, revolucionaram, reformaram, inovaram, brigaram, morreram por morte morrida e mais por morte matada, torturados, esquartejados, linchados, esquecidos, ignorados, relegados. De todas as classes e bandeiras, do norte e do sul, do leste e do oeste, com sotaque português, indígena, espanhol, italiano, holandês, francês, polaco, alemão; com jeito sulista de ser ou do jeito nordestino de viver, mas todos pelejando por um ideal ou por alguém, sem descansar e nem desistir.

No Brasil Colônia, no Império, na República e até hoje não consegui perceber nenhum traço de domesticação, a história – que muitos não querem ver contata nem mesmo em verso – revela lutas de todas as camadas sociais, tudo a história já provou. – Clique aqui para ler linha do tempo da história do Brasil de rebeliões, lutas, revoltas, protestos e etc.

Segundo Sheikh Muhammad Ragip al-Jerrahi, a resistência não era mera reclamação:

“Os documentos mostram que a fuga e os quilombos não eram as únicas formas de resistência dos negros perante a escravidão: rebeliões, assassinatos, suicídios, revoltas organizadas também fizeram parte da história da escravidão no Brasil. Das revoltas históricas, a mais conhecida foi a dos Malês, em Salvador. Essa revolta foi tão significativa que na correspondência de pessoas importantes da Corte, no século XIX, constantes do acervo da Biblioteca Nacional, há diversas menções a ela. Havia o medo de que novas revoltas como aquela transformassem o Brasil numa "anarquia." Os Malês, como se sabe eram um grupo étnico numeroso, já islamizado, que tinha capacidade de se organizar até mesmo nas senzalas.

O início do século XIX foi marcado por uma seqüência de revoltas denunciando a tensão crescente e o inconformismo com a situação de escravidão. As principais manifestações deste tempo ocorreram em maio de 1807; 4 de janeiro de 1809; fevereiro de 1810; fevereiro de 1814; janeiro e fevereiro de 1816; junho e julho de 1822; agosto e dezembro de 1826, abril de 1827; março de 1828; abril de 1830. A partir da revolta dos malês a religião islâmica passou a sofrer uma severa repressão. Foi taxada como religião selvagem que incitava a revolta nos negros escravos, então considerados seres sem alma humana. Para a mentalidade da época, não havia que se pensar, para seres sem alma, em direito à liberdade, à justiça, à vida, à religião ou à dignidade. Até que “em 25 de janeiro de 1835 estoura uma revolta de grandes proporções que passou a ser conhecida na história como "Guerra dos Malês". Os revoltosos percorreram as ruas da capital da Bahia, atacaram o palácio do Presidente da província, invadiram quartéis, enfrentaram tropas e fragatas de guerra ancoradas no porto. Foram totalmente subjugados pelas forças do governo. Após 1835, muitos muçulmanos foram julgados em tribunais especiais, alguns condenados à morte. Muitos foram deportados para a África como forma de reduzir sua influência entre os negros escravizados. Os que escaparam à morte ou deportação foram forçados, para sobreviver, a manterem-se na clandestinidade”.

No Rio Grande do Sul, exatamente no mesmo ano, por razões diversas e sob o comando das elites dos pampas, produziu uma revolta que não foi menos sangrenta e resultou na independência da região, chamada de República Riograndense que por dez anos foi um país à parte.

Como nos fala Miguel do Rosário:

“Mas, à exceção da Guerra do Paraguai, os nossos maiores feitos em armas não foram guerras entre estados, mas sim guerra das elites nacionais contra seu próprio povo, como foi o caso de Quilombo dos Palmares, que resistiu por anos ao exército nacional; Canudos, onde os jagunços de Antônio Conselheiro venceram três grandes expedições militares e quase venceram a quarta; o cangaço, sobretudo com Lampião; e os milhares de quilombos que lutaram contra soldados ao longo de todo o período escravista”.

Então percebi que nada disso passava de tribofe[3] da elite que por séculos adormeceu a consciência de muitos, mas não conseguiu acobertar a história de tatos bravos deste país ou destes países chamado Brasil.



[1] É professor de filosofia e sociologia, licenciado pela Universidade do Sagrado Coração de Bauru, bacharelando em Direito pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro, em Jacarezinho (PR), membro do programa de pós-graduação latu sensu em História, historiografia, sociedade e cultura da Faculdade Estadual de Filosofia de Jacarezinho, ambas da Universidade Estadual do Paraná publicou “Cidadania e direitos políticos” em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7628 acessado em 09/12/2006.

[2]Publicado em Novae Editora, acessado em 09/12/2006. Miguel do Rosário é colaborador da Novae e editor de Arte e Política.

[3] Tribofe – substantivo, gíria da época (1891) significando conchavo fraudulento em corrida de cavalos; conchavo doloso entre jogadores nas corridas de cavalos; trapaça em qualquer jogo; esperteza no jogo; ladroagem; patifaria; namoro pouco sério.