08 maio 2007

Ação Negra por um novo mundo possível

I

É já um tempo demasiado longo este em que as diferenças são submetidas à opressão, à negação, à exclusão, à discriminação, à hipocrisia, ao descaso. Uma condição absolutamente injusta. Iníqua.
É hora, já, de lutarmos todos pela superação deste tempo.
É urgente a luta de homens e mulheres que emancipe de fato as diferenças, que instaure a igualdade de direitos, que inaugure as necessárias relações solidárias, fundamentos da construção de um mundo novo possível.
A sociedade que dá fim à exploração do trabalho e põe os frutos da produção coletiva à mesa de todos os produtores só pode ser finalmente conquistada com a destruição do capitalismo. E esta condição requer o reconhecimento, hoje, da igualdade de direitos entre todos os seres humanos.
É a luta pela conquista da igualdade de direitos e oportunidades que informa de maneira consistente e consciente o combate contra a sociedade de classes imposta pela dominação capitalista.
Em nosso país, o modo de produção escravista realizado por mais de três séculos deitou fundas as raízes da iniqüidade em toda as relações sociais formadoras da nacionalidade. Elas ainda hoje permeiam o conjunto da vida social brasileira como se revela no retrato trágico da exclusão pela discriminação racial.
A exploração do trabalho de milhões de seres humanos aprisionados em África [chamados escravos pelos traficantes e proprietários, de negros pela elite colonial e européia, de gentios pela ideologia dominante que lhes permitia a escravização do semelhante e a ele outorgava a condição de mercadoria ou mão-de-obra] ergueu fortunas, riquezas, países, impérios, na América e na Europa.
Aqui foi concedida alforria aos senhores, desobrigados da manutenção da posse e da indenização devida a trabalhadores e a todas as gerações escravizadas da etnia vilipendiada. A farsa colonialista da Abolição aprisionou nas faldas e sopés de morros, nas matas, nos grotões e beiras de estrada a multidão expulsa sem meios das lavouras e minas. Sem mais ferros, chicotes e senzala, agora à mercê do modo de exploração do trabalho no processo de industrialização ainda incipiente.
Ao imigrante branco, o império deu a terra. Produzida a subsistência, a renda restante começaria a alavancar aqui o processo mercantil necessário à produção fabril inglesa de matriz ou filial... [ou francesa, ou alemã, ou belga...]
O novo modo de reproduzir a existência submeteu de forma cruel homens e mulheres africanos ou afrodescendentes, crianças, jovens ou velhos.
Nenhuma reparação, sem qualquer indenização. Sem chão, sem casa, sem posto de trabalho [nem eira ou beira].
A modernidade só vai encontrar o Brasil tardiamente, já no limiar do século 20.
O novo milênio, inaugurado pelo século 21, é um tempo de necessárias e urgentes definições. Nos exige compromisso que somente pode ser Socialista.
Um tempo em que a barbárie é acelerada pela implementação da lógica da guerra pela nova potência imperial do planeta e pelo avanço da política neoliberal.
Nós, que estamos em luta pela liberdade, não acobertamos a injustiça e a opressão. São dobradas as nossas tarefas contra qualquer atentado à dignidade e à vida e de defesa da valorização do produto do trabalho da humanidade, de reparação efetiva da própria condição humana.
A hora exige radical defesa das liberdades públicas, do respeito à diferença e da igualdade de direitos.
Na teoria e na ação, no Brasil e no Mundo.
É por esta razão o nosso compromisso com o combate ao racismo, pelas reparações com ocupação democrática do território, pela extinção da sociedade de classes.
Em pouco mais de uma década, a grande burguesia financeira internacional produziu ao final do século recém findo uma reviravolta impressionante nas relações de produção, nas relações de domínio de classe. Onde apenas seu domínio, o domínio do grande capital financeiro imperialista, não diminuiu. Ao contrário, construiu novas e mais aparentes formas de dominação sobre os mercados e a força de produção de praticamente todo o planeta. Implementando uma nova divisão internacional do trabalho e da acumulação capitalista, com a transformação do papel dos estados nacionais, eliminação de barreiras alfandegárias entre países (particularmente dos mais pobres), desregulamentação do trabalho e o crescimento do poder do grande capital internacional. Os governos neoliberais, muitos deles dirigidos pela social-democracia, foram nestes anos a principal ferramenta desta política de rapina adotada pelos grandes monopólios internacionais.
A globalização constitui-se em uma estratégia de acumulação que, operada a partir destes governos "nacionais", impôs a eliminação de todos os meios de proteção do trabalho e do desenvolvimento das economias nacionais. Produziu a transformação dos valores culturais, ideológicos e econômicos a partir destes oligopólios.
A conseqüência é a dilapidação do mercado nacional e desestruturação do sistema produtivo de cada país, a aniquilação das culturas locais, a sonegação dos direitos, corroendo progressivamente as bases de um conceito de nação.
As respostas às crises capitalistas e confrontos sociais, via de regra, no Brasil, se deram pela constante renovação dos pactos de elite, sempre utilizando a violência e mecanismos autoritários. Mesmo para seus objetivos de transformação, de modificação do modelo econômico, poucas vezes na história brasileira percebemos fração da burguesia disposta a concluir todas as tarefas dela para modificação da estrutura econômica.
A estrutura política reflete este caráter antidemocrático das elites locais. Ainda que formalmente republicana, federativa e democrática, a organização política brasileira é extremamente patrimonialista, centralizada e autoritária.
Somente a unidade popular poderá quebrar esta história.
E só estaremos prontos para fazê-lo se atuarmos por esta unidade. Se constituirmos inegável movimento de massas através de uma ação radical de todos os lutadores anti-racistas em todas as instâncias, unificados por uma plataforma de lutas comum para a disputa na sociedade. Uma verdadeira ação negra. Uma ação de todos os explorados e discriminados, da maioria negra.
O modo de proceder do indivíduo antecede à existência da coletividade, eis que a coletividade resulta de indivíduos que se orientam pelos mesmos objetivos, idéias e práticas.
Nosso pressuposto é conquistar o regramento das ações do indivíduo para que este faça crescer a coletividade e não o individualismo, a arrogância, a prepotência, a intolerância, o centralismo e o personalismo.
O respeito ao conhecimento e à produção coletivas significam que o projeto não pertence a um indivíduo, mas sim à coletividade.
É fundamental a constituição de referências permanentes que articulem as lutas populares, partidárias, institucionais e culturais, que integrem a militância social e militâncias partidárias.
Nossa ação nos espaços que ocupamos deve realizar a conversão das teses para a vida, superando os limites burocráticos, implementando políticas que façam, de fato, avançarmos no nosso projeto, emancipando os trabalhadores, superando a discriminação, fortalecendo os movimentos, combinando tese e prática, discurso e fazer cotidiano e ação institucional.
Assim, nós, cada um, constituiremos os parâmetros que balizem ações permanentes, que prefigurem no presente a sociedade nova do mundo que queremos revolucionado pelas idéias de reparação, fim da iniqüidade, igualdade de oportunidade e direitos, as idéias socialistas para um mundo socialista.

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