06 maio 2009

Serendipismo, acaso e oportunidade

Por Alberto Dines.

O conceito é antigo (trazido ao mundo ocidental em 1754, há 255 anos), fascinante, porém pouco discutido no Brasil apesar de ter inspirado livros, reflexões e até um longa-metragem americano.

Nossa dificuldade com o assunto tem duas razões: a palavra inglesa que celebrizou a história – serendipity -- difícil de pronunciar, não tem equivalente em vernáculo. Os neologismos serendipidade e serendipismo são construções artificiais, góticas, como a própria literatura do seu introdutor, o escritor inglês Hugh Walpole que inspirado num conto persa, “Os Três Príncipes de Serendib”, criou uma parábola sobre o acaso, o grande vetor da humanidade.

Esta é, no fundo, a outra razão que impede sua popularização em nossas plagas. O Brasil é fruto do acaso, formidável acidente de percurso, porém detestamos ostensivamente este pedaço da nossa gênese. Até hoje não decidimos se fomos descobertos ou achados, se fomos procurados ou descuidadamente oferecidos pela divina providência porque as conclusões serão sempre incômodas.

A moral da história persa, como todas, contém uma metáfora. No caso sobre a acuidade. O acaso só é efetivo, produtivo, para aqueles que estão alertas, prontos a tirar partido, atentos às mudanças, sensíveis às novas circunstâncias.

Nossa serendipidade é geralmente negativa por um defeito de fabricação. Nosso DNA contém uma poderosa vocação contemplativa e prazerosa típica das entidades paradisíacas. Os achados são perdidos por excesso de prodigalidade e falta de senso de oportunidade. Esbarramos em tesouros e passamos ao largo de fabulosas casualidades porque fomos treinados para o desperdício, convencidos que logo virão outras.

O inspirado padre Antônio Vieira foi campeão da serendipidade positiva. Num dos seus “estalos” percebeu nossas grandezas, soube transferi-las ao plano cósmico, encantou todos os que o ouviam, do sumo pontífice à rainha da Suécia só não foi adiante porque a Coroa portuguesa e a Inquisição não permitiram que sua utopia se materializasse. Prova de que o absolutismo e dogmatismo religioso são anti-serendipistas por excelência.

“Lula é o cara” disse Barack Obama a respeito do nosso presidente. O americano também é “the man” porque enxergou no ex-metalúrgico o habilidoso malabarista capaz de ser simultaneamente neoliberal e esquerdista, populista e elitista, coronel do sertão e expoente internacional.

O que ninguém consegue avaliar é a capacidade serendipial ou nível de serendipismo do presidente Lula da Silva. Até aqui mostrou-se como extraordinário parceiro dos fados. Aproveitou a maioria dos acasos que a divina providência coloca a seus pés.

Serendipity é um estimulo permanente à criatividade, mas como todas as fábulas claudica no desfecho: vago, impreciso, não-operacional. Contém penosa incógnita – despreocupa-se com o tempo. Não determina a duração da vigilância nem a validade do incômodo aparelhinho radar cuja finalidade é detectar oportunidades. Não responde à questão essencial sugerida pela maioria das parábolas e fábulas: até quando?

(lido e recolhido e aqui publicado desde o blogue da cantante Eugénia Melo e Castro: http://poportugal.blogs.sapo.pt/)

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