23 fevereiro 2007

João Hélio e o Banco Central

J. Carlos de Assis - Economista e Professor

Sob o pretexto de convocar a sociedade para um debate ativo sobre os problemas da violência no Rio, a TV Globo usou o drama da família do menino João Hélio para mais um show de emoções ao vivo, do tipo que eleva a audiência a alturas insondáveis. No Fantástico, a entrevista de Fátima Bernardes com os pais do menino, no último domingo, mereceu debate entre participantes do mesmo painel usado para discutir situações fictícias de infidelidade numa novela da emissora. Realidade e novela são trituradas, juntas, e servidas ao público no mesmo coquetel de emoções.
É certamente ocioso deplorar esse tipo de exploração do sentimento das massas. As televisões sempre fizeram isso e continuarão fazendo enquanto forem dirigidas pela busca de audiência a qualquer custo. Entretanto, programas como os de domingo, nos quais o mesmo tema foi dividido entre Faustão e o Fantástico, mostram de forma muito pedagógica os caminhos sinuosos da manipulação de consciências operados pelos aparelhos ideológicos das classes dominantes. As questões centrais são tangenciadas, e logo submergem em pura mistificação.
Tomemos os fatos. O menino João Hélio foi vítima de um crime bárbaro praticado por um grupo de jovens brutalizados, entre os quais um menor. Primeira constatação: a presença do menor foi irrelevante para a prática do crime, que aconteceria provavelmente também sem a participação dele.
Portanto, a discussão da redução da idade de responsabilidade penal para 16 anos, relacionada com este crime em particular, é absolutamente falaciosa. É tentar explorar a comoção social em favor de uma tese que deve se apoiar em outros fundamentos.
Segunda constatação: a brutalidade do crime, por ter envolvido um menino de seis anos numa situação de extrema barbaridade, não alterou em nada a realidade sociológica em que brota espontaneamente a criminalidade no Rio e em outras metrópoles brasileiras. Em outras palavras, se as causas profundas da criminalidade não forem atacadas, e não apenas sua expressão aparente, casos como esse poderão se repetir muitas vezes, independentemente de tudo que se fizer para agravar as penas e reforçar os aparelhos de repressão.
A ideologia da TV é a ideologia da classe dominante. E a classe dominante quer fazer crer que crimes bárbaros como aqueles a que temos assistido com terrível freqüência – incêndio de ônibus com passageiros dentro, assassinatos gratuitos em assaltos contra vítimas indefesas, o massacre covarde do menino João Hélio – são produto da índole doentia de certos indivíduos, alguns dos quais, menores, seriam irrecuperáveis. Nesse contexto, o apelo a alguma forma de reação dura do Estado, ou mesmo de vingança da sociedade é quase inevitável. Porém, inútil.
A criminalidade é produto direto das condições sociais da população. E as condições sociais são decorrência direta da economia política a que temos sido submetidos. Diante das tragédias recorrentes, é comum ouvir as pessoas dizerem que não podemos esperar pela solução da crise social, e que algo urgente tem que ser feito no plano do combate direto à criminalidade. Aliás, essa é a linguagem da classe dominante, a quem interessa manter o status quo econômico, sobretudo as políticas de restrição monetária e fiscal por trás dos altos índices de desemprego e subemprego.
Alguns “especialistas” alegam que o problema criminal é de impunidade. Outros, que denota uma indiferença dos governantes, que agiriam de forma diferente caso as tragédias envolvessem seus filhos. É um raciocínio ingênuo e superficial. Os criminosos de nossas metrópoles estão sujeitos a regras punitivas muito rigorosas. De fato, a maioria deles morre antes dos 25 anos, em confrontos com a polícia ou com outros bandidos. Para estes, já vigora plenamente no país a pena de morte. Por outro lado, as condições carcerárias, quando caem presos, são simplesmente brutalizadoras. Se quisermos ver a verdade por debaixo do véu ideológico manipulado pela máquina de emoções da TV, temos de reconhecer uma relação direta de causalidade entre a política monetária do Banco Central nos últimos anos e o assassinato brutal do menino João Hélio. Seus assassinos estão entre os 27% de jovens brasileiros entre 15 e 25 anos que não trabalham nem estudam, por conta de uma política monetária depressiva. São milhões.
Alguns se conformam à dependência de pais e parentes, mas se apenas uma pequena proporção deles cai na malha do crime a sociedade inteira está em risco. De fato, estamos em risco. E qual é o ambiente social mais amplo desses jovens desempregados, e que estão fora das escolas e dos colégios? Dez por cento da força de trabalho brasileira, segundo o IBGE, estão desempregados; outros 10% desistiram de procurar emprego; e outros 20% estão subempregados. São 40%, algo como 36 milhões, em situação de desemprego ou subemprego.
É evidente que somos uma sociedade doente, na qual a alta criminalidade é apenas um sintoma. Sem reverter esse quadro social, e para revertê-lo é fundamental mudar a economia, não há solução à vista, nem a curto nem a longo prazo. Os pais desesperados de João Hélio pediram pela TV que as autoridades tomassem providências para que não se repita com os filhos dos outros o que aconteceu com o filho deles.
Deve-se dizer a eles, sem oportunismo e sem demagogia, mas com justificada repulsa pela forma como as classes dominantes estão mistificando a tragédia, que a melhor ação política no momento é apoiar o Presidente Lula em seu esforço de mudar a política econômica no rumo do crescimento e da geração de emprego. Claro, isso implica reverter a política monetária assassina do Banco Central.
Sinais evidentes de mudança
A semana que passou teve sinais evidentes de mudança da política monetária. A decisão de Henrique Meirelles, com seu Copom, de retardar a queda da taxa de juros, a despeito do esforço do Governo em relançar uma política de crescimento mais rápido, foi interpretada como um excesso de petulância. Tecnicamente, a decisão não se justifica. É uma atitude tipicamente política do Banco Central, para mostrar que é independente. Justamente ele que quer apresentar-se como infenso a pressões políticas!
Isenção para aplicações externas
O Ministro da Fazenda não depende do Banco Central para reduzir a pressão de valorização do câmbio. Basta eliminar a indecência que é a isenção de imposto para aplicações em títulos públicos. Numa situação de folga cambial, como a que vivemos, é economicamente injustificável, assim como moralmente insustentável, dar ao investidor externo o privilégio de obter, junto com a taxa de juros de curto prazo mais alta do mundo, a isenção do imposto de renda. Se o Governo acabar com isso, elimina-se uma das principais fontes de valorização do real.

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