13 fevereiro 2007

Para um filho nosso


Tem seis dias já do acontecido.
O horror e a indignação não me abandonam.
Tenho náuseas à mesa, no ônibus, no lotação, no trabalho.
Náusea de ser humano.
Náusea do desumano.
Não me passa outra coisa na cabeça que não a punição.
Vontade de ver mortos os algozes, até torturados antes, com muito vagar para produzir muita dor.
E sei que este não sou eu, que nunca admiti pena de morte, decidida no frio do tribunal, a batida de um martelo a roubar vida humana.
A tragédia provocou em mim conflito entre humanidade e barbárie. Não sou mais o mesmo a cada dia depois daquilo e isto me deixa uma pessoa pior, parte de um todo que tem estas partes apodrecidas, insensíveis, corroídas pelo que lá seja tenha assanhado a bestialidade em fúria.
Era um assalto, mais um roubo de carro em sinal vermelho.
O menino amarrado ao cinto, pendurado e arrastado por mil, dois mil, três mil, quatro mil, cinco mil, seis mil, sete mil metros em velocidade de fuga.
Dor. Horror. Pavor.
O povo gritava, os desvairados não atinavam porque.
Já soube de bomba que matou centenas de milhares.
Já vi monge se imolando ateando fogo às vestes.
Já vi as chamas de napalm engolir floresta e gente, casa e bicho.
Já vi criança explodindo gente em suicídio de protesto contra a violência da guerra de ocupação.
Já vi pedra contra canhão e bomba de aviação contra escolas, creches e hospitais. Canhão contra pedras.
Um homem contra um tanque na praça da paz pela liberdade.
Um muro ruir e aproximar.
Um muro subir e dividir a riqueza da exploração da pobreza do explorado.
Já soube e não esqueço de holocaustos, gulags, shathillas e guantânamos.
Já soube de tanta gente que massacra gente.
Não sonhei com tudo isto, nem com o recém acontecido.
Estou assim acordado, inapelavelmente acordado e nauseado, horrorizado e chocado.
Longe de tudo aquilo e tão perto do desatino.
A miséria da humanidade não é a pobreza, porque a produção é farta e a sobra não repartida apodrece estocada.
A miséria da humanidade é a insensibilidade com a natureza, os animais e mesmo com o semelhante, que vai carcomendo o coração e destruindo o humano dentro da coisa, tornando a carcaça em besta fera.
João Hélio,
um menino como milhões,
um menino a menos no Rio.
João Hélio, um filho.

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