04 maio 2008

A ver navios

Rosane Oliveira
Domingo, 04 de maio de 2008


Como usei o título acima na coluna de domingo em uma nota sobre o plano de trabalho do secretário José Francisco Mallmann, que quer transformar o Rio Grande do Sul em referência para o país na área de segurança nos próximos 10 anos, o delegado Wilson Müller Rodrigues, presidente da Associação dos Delegados de Polícia, mandou uma longa carta contando o que ocorreu com ele no fim de semana. Vou reproduzi-la na íntegra porque mostra no que resulta a carência de homens e de recursos materiais:



Prezada Rosane:



Destacastes em tua coluna de hoje, no tópico A VER NAVIOS, que “... A meta de Mallmann é transformar a segurança pública do Rio Grande do Sul em referência para o país nos próximos 10 anos.”

Em síntese, vou te falar do meu dia de ontem, que tem tudo a ver com o estado em que se encontram os serviços de segurança pública no Estado. Meu caso, por óbvio, não terá sido o único, no ítem “falta de atendimento”.

Por volta das 11h30m fui alertado, por um filho, que um estranho havia invadido a casa. Apanhei uma arma de uso pessoal e fui verificar. O intruso encerrou-se numa dependência, nos fundos. Efetuei um disparo de advertência e ordenei que saísse. Segundos depois ele saiu. Estava desarmado e não reagiu. Foi imobilizado. Até aí tudo bem. Afinal, sei tratar com situações desta natureza.

Liguei para o 190 e narrei à situação. Meia hora depois efetuei nova ligação. Algum tempo depois outra ligação. Nada. Telefonei para a Companhia da Brigada Militar de Ipanema, onde resido. Informei tudo novamente. O policial disse que o caso deveria ser tratado com a Unidade da Tristeza. Fiz, então, o quinto telefonema. O sargento que atendeu comunicou que tomaria providências.

Uma hora e meia após, o invasor, que informou ter saído fazia poucos meses do Presídio Central, continuava imobilizado. Nada de a Polícia aparecer.

Eu, a ver navios... O preso, já cumprindo pena na minha casa.

A família, inclusive uma neta de cinco anos, em pânico. Um ladrão imobilizado dentro de casa não é uma sensação agradável. Para mim nada de mais, todavia, para as “pessoas normais” é uma situação de pânico.

Acabei ligando para a Polícia Civil. Uma equipe de policiais veio buscar o ladrão. Foi autuado em flagrante, era sua quinta prisão, etc...

A viatura acionada pelo 190 chegou a minha casa às 15 horas, portanto 3h30m depois do primeiro chamado. Neste horário o preso estava sendo autuado.

Má vontade dos policiais em atender uma ocorrência desta gravidade ?

Absolutamente não. Em todos os telefonemas fui atendido com a maior cordialidade. Senti o constrangimento dos policiais em não poderem atender a ocorrência com presteza. Por uma questão de obediência hierárquica não informaram os motivos.

Soube, depois, que para o atendimento de toda a zona sul da cidade havia apenas duas viaturas, na manhã de ontem.

Creio que a governadora do Estado ainda não tenha sido informada, com exatidão, do estado de calamidade que se encontra a segurança pública.

Enquanto falta pessoal e viaturas para o atendimento de ocorrências rotineiras e urgentes, nosso ilustre secretário da Segurança fui a Rússia adquirir carros de combate para o trabalho policial.

Fala-se muito em programa estruturante, nova Polícia, referência para o país, etc ... Todavia, tudo para os próximos 10 anos. Este discurso é mais antigo do que o rascunho da Bíblia.

Enquanto isto, o cidadão comum sempre à espera de soluções simples e urgentes, que nunca vêm. O “outro lado do balcão” é muito desconfortável.

Em mais de 30 anos de função policial assisti alguns secretários de Segurança estabelecer programas destinados a reinventar a roda. Todos estes deixarem seus Governos a ver navios...

Um abraço cordial e obrigado pela atenção.

Wilson Müller Rodrigues.

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