por Marco Aurélio Weissheimer.
Editorial de Carta Maior
Esta semana reforçou a percepção de que a chamada
grande imprensa brasileira - ou antiga imprensa, como
afirma, entre outros, o cineasta Jorge Furtado - está
não apenas desempenhando o papel de uma "oposição
fragilizada", mas também defendendo, sem mediações
ou sutilezas, os interesses da política externa dos
Estados Unidos. Estariam fragilizados também estes
interesses? Em um certo sentido, sim. A iniciativa do
governo brasileiro, em conjunto com o governo da Turquia, de
buscar uma solução negociada para a crise nuclear
envolvendo o Irã mostrou que é possível outro caminho
do que aquele das "guerras preventivas", dos
"bombardeios cirúrgicos", do "choque e do pavor".
O presidente Lula, representando o Estado brasileiro, fez um
movimento ousado e corajoso. E acertou em cheio.
Nas horas seguintes aos primeiros anúncios do acordo,
começaram a surgir vozes e textos tentando diminuir ou
simplesmente desqualificar o feito alcançado. A pressa é
compreensível. Dias antes, o pré-candidato do PSDB à
presidência da República, José Serra, havia dito
durante uma entrevista em Porto Alegre, que jamais receberia
ou se reuniria, caso fosse eleito, com o presidente do
Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Além da postura submissa às
ordens que o Departamento de Estado norte-americano ainda
insiste em querer ditar o mundo, a declaração de Serra
mostrou a pequenez do horizonte de visão do postulante ao
cargo mais importante da República brasileira e um dos
mais importantes hoje para todos os países que apostam na
desmilitarização da agenda política das nações.
Ao caminhar na direção oposta daquela defendida por
Serra, Lula mostrou coragem pessoal, ousadia estratégica
e, acima de tudo, compromisso com a construção de um
mundo onde os conflitos e diferenças sejam resolvidos
através da conversa e das negociações - que podem,
sim, muitas vezes, ser exaustivas e mesmo pouco frutíferas
no curto prazo - ao invés da solução eficiente da
morte e da destruição. Eficiente para quê? - cabe
perguntar. Não certamente para a vida de milhões de
pessoas que pode ser salva em função de uma dessas
conversas complicadas que algumas pessoas preferem não
ter. A omissão e a covardia andam de mãos dadas com a
impossibilidade de se dizer abertamente o que se está
pensando.
Isso ficou muito claro no discurso de vários articulistas
da imprensa nacional, preocupados em desdobrar a fala de
Serra. Na verdade, a crítica principal dirigida a Lula era
a crítica a iniciativa de ir conversar com Ahmadinejad.
Como assim? Quem esse sujeito (o presidente da República,
no caso) pensa que é? Quem o Brasil pensa que é? Não
foi por acaso que a repercussão do acordo na imprensa
internacional foi maior e mais positivo do que no Brasil. A
diferença de horizonte só expõe o tamanho, a qualidade
da visão e o compromisso de quem fala. Mas, se a visão
é curta, por um lado, é crescentemente virulenta, por
outro. E o grau dessa virulência parece ser proporcional
aos acertos do governo brasileiro. Dois dias após o
anúncio do acordo, o jornal Zero Hora comemorava com um
destaque de capa: "EUA atropelam acordo de Lula". O
desejo virulento do atropelamento pelo menos foi
transparente quanto ao alvo: o Lula. É disso que se trata.
Há outros pressupostos neste discurso de submissão a um
passado recente quando o Brasil e a América Latina sabiam
qual era o seu lugar.
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