24 maio 2010

Os desejos virulentos da antiga imprensa brasileira

por Marco Aurélio Weissheimer.

Editorial de Carta Maior


Esta semana reforçou a percepção de que a chamada

grande imprensa brasileira - ou antiga imprensa, como

afirma, entre outros, o cineasta Jorge Furtado - está

não apenas desempenhando o papel de uma "oposição

fragilizada", mas também defendendo, sem mediações

ou sutilezas, os interesses da política externa dos

Estados Unidos. Estariam fragilizados também estes

interesses? Em um certo sentido, sim. A iniciativa do

governo brasileiro, em conjunto com o governo da Turquia, de

buscar uma solução negociada para a crise nuclear

envolvendo o Irã mostrou que é possível outro caminho

do que aquele das "guerras preventivas", dos

"bombardeios cirúrgicos", do "choque e do pavor".

O presidente Lula, representando o Estado brasileiro, fez um

movimento ousado e corajoso. E acertou em cheio.

Nas horas seguintes aos primeiros anúncios do acordo,

começaram a surgir vozes e textos tentando diminuir ou

simplesmente desqualificar o feito alcançado. A pressa é

compreensível. Dias antes, o pré-candidato do PSDB à

presidência da República, José Serra, havia dito

durante uma entrevista em Porto Alegre, que jamais receberia

ou se reuniria, caso fosse eleito, com o presidente do

Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Além da postura submissa às

ordens que o Departamento de Estado norte-americano ainda

insiste em querer ditar o mundo, a declaração de Serra

mostrou a pequenez do horizonte de visão do postulante ao

cargo mais importante da República brasileira e um dos

mais importantes hoje para todos os países que apostam na

desmilitarização da agenda política das nações.

Ao caminhar na direção oposta daquela defendida por

Serra, Lula mostrou coragem pessoal, ousadia estratégica

e, acima de tudo, compromisso com a construção de um

mundo onde os conflitos e diferenças sejam resolvidos

através da conversa e das negociações - que podem,

sim, muitas vezes, ser exaustivas e mesmo pouco frutíferas

no curto prazo - ao invés da solução eficiente da

morte e da destruição. Eficiente para quê? - cabe

perguntar. Não certamente para a vida de milhões de

pessoas que pode ser salva em função de uma dessas

conversas complicadas que algumas pessoas preferem não

ter. A omissão e a covardia andam de mãos dadas com a

impossibilidade de se dizer abertamente o que se está

pensando.

Isso ficou muito claro no discurso de vários articulistas

da imprensa nacional, preocupados em desdobrar a fala de

Serra. Na verdade, a crítica principal dirigida a Lula era

a crítica a iniciativa de ir conversar com Ahmadinejad.

Como assim? Quem esse sujeito (o presidente da República,

no caso) pensa que é? Quem o Brasil pensa que é? Não

foi por acaso que a repercussão do acordo na imprensa

internacional foi maior e mais positivo do que no Brasil. A

diferença de horizonte só expõe o tamanho, a qualidade

da visão e o compromisso de quem fala. Mas, se a visão

é curta, por um lado, é crescentemente virulenta, por

outro. E o grau dessa virulência parece ser proporcional

aos acertos do governo brasileiro. Dois dias após o

anúncio do acordo, o jornal Zero Hora comemorava com um

destaque de capa: "EUA atropelam acordo de Lula". O

desejo virulento do atropelamento pelo menos foi

transparente quanto ao alvo: o Lula. É disso que se trata.

Há outros pressupostos neste discurso de submissão a um

passado recente quando o Brasil e a América Latina sabiam

qual era o seu lugar.

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