26 novembro 2007

Um discurso para pensar.

A conferência dos chefes de Estado da União Européia, Mercosul e Caribe, em maio de 2002, em Madri, viveu momento surpreendente: os chefes de estado europeus ouviram perplexos e calados um discurso irônico, cáustico e de exatidão histórica que lhes fez Guaicaípuro Cuatemoc, embaixador mexicano de descendência indígena.

Aqui estou eu, descendente dos que povoaram a América há 40 mil anos, para
encontrar os que a 'descobriram' só há 500 anos. O irmão europeu da aduana
me pediu um papel escrito, um visto, para poder descobrir os que me
descobriram. O irmão financista europeu me pede o pagamento - ao meu país -
com juros, de uma dívida contraída por Judas, a quem nunca autorizei que me
vendesse. Outro irmão europeu me explica que toda dívida se paga com juros,
mesmo que para isso sejam vendidos seres humanos e países inteiros sem
pedir-lhes consentimento.
Eu também posso reclamar pagamento de juros.
Consta no 'Arquivo da Cia. das Índias Ocidentais' que, somente entre os anos
1503 e 1660, chegaram a São Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16
milhões de quilos de prata provenientes da América.
Teria sido isso um saque? Não acredito, porque seria pensar que os irmãos
cristãos faltaram ao sétimo mandamento! Teria sido espoliação? Guarda-me
Tanatzin de me convencer que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue
do irmão. Teria sido genocídio? Isso seria dar crédito aos caluniadores,
como Bartolomeu de Las Casas ou Arturo Uslar Pietri, que afirmam que a
arrancada do capitalismo e a atual civilização européia se devem à inundação
de metais preciosos tirados das Américas.
Não, esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata foram o
primeiro de tantos empréstimos amigáveis da América destinados ao
desenvolvimento da Europa. O contrário disso seria presumir a existência de
crimes de guerra, o que daria direito a exigir não apenas a devolução, mas
indenização por perdas e danos. Prefiro pensar na hipótese menos ofensiva.
Tão fabulosa exportação de capitais não foi mais do que o início de um plano
MARSHALL MONTEZUMA', para garantir a reconstrução da Europa arruinada por
suas deploráveis guerras contra os muçulmanos, criadores da álgebra, da
poligamia, e de outras conquistas da civilização.
Para celebrar o quinto centenário desse empréstimo, podemos perguntar: Os
irmãos europeus fizeram uso racional responsável ou pelo menos produtivo
desses fundos?
Não. No aspecto estratégico, dilapidaram nas batalhas de Lepanto, em navios
invencíveis, em terceiros reichs e várias formas de extermínio mútuo. No
aspecto financeiro, foram incapazes, depois de uma moratória de 500 anos,
tanto de amortizar o capital e seus juros quanto independerem das rendas
líquidas, das matérias-primas e da energia barata que lhes exporta e provê
todo o Terceiro Mundo.

Este quadro corrobora a afirmação de Milton Friedman, segundo a qual uma
economia subsidiada jamais pode funcionar e nos obriga a reclamar-lhes, para
seu próprio bem, o pagamento do capital e dos juros que, tão generosamente,
temos demorado todos estes séculos em cobrar. Ao dizer isto, esclarecemos
que não nos rebaixaremos a cobrar de nossos irmãos europeus, as mesmas vis e
sanguinárias taxas de 20% e até 30% de juros ao ano que os irmãos europeus
cobram dos povos do Terceiro Mundo.
Nos limitaremos a exigir a devolução dos metais preciosos, acrescida de um
módico juro de 10%, acumulado apenas durante os últimos 300 anos, com 200
anos de graça. Sobre esta base e aplicando a fórmula européia de juros
compostos, informamos aos descobridores que eles nos devem 185 mil quilos
de ouro e 16 milhões de quilos de prata, ambas as cifras elevadas à potência
de 300, isso quer dizer um número para cuja expressão total será necessário
expandir o planeta Terra.
Muito peso em ouro e prata... quanto pesariam se calculados em sangue?
Admitir que a Europa, em meio milênio, não conseguiu gerar riquezas
suficientes para esses módicos juros, seria como admitir seu absoluto
fracasso financeiro e a demência e irracionalidade dos conceitos
capitalistas.
Tais questões metafísicas, desde já, não inquietam a nós, índios da América.
Porém, exigimos assinatura de uma carta de intenções que enquadre os povos
devedores do Velho Continente e que os obriguem a cumpri-la, sob
pena de uma privatização ou conversão da Europa, de forma que lhes permitam
entregar suas terras, como primeira prestação de dívida histórica...'

Quando terminou seu discurso diante dos chefes de Estado da Comunidade
Européia, o Cacique Guaicaípuro Guatemoc não sabia que estava expondo uma
tese de Direito Internacional para determinar a Verdadeira Dívida Externa.
Agora resta que algum Governo Latino-Americano tenha a dignidade e coragem
suficiente para impor seus direitos perante os Tribunais Internacionais.
Os europeus teriam que pagar por toda a espoliação que aplicaram aos povos
que aqui habitavam, com juros civilizados.

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