30 outubro 2007

CARTA AOS COMPANHEIROS E COMPANHEIRAS DE LUTA


Por Dannyel Lopes de Assis

A tradição de esquerda preconiza que toda decisão política que interfira nos caminhos percorridos pela militância, individual ou coletiva, seja registrada como forma de fomentar o debate e delimitar os parâmetros da avaliação futura. Neste caso, minha decisão de filiar-me ao Partido dos Trabalhadores merece o registro dos motivos.


Com certeza minha decisão surpreenderá pessoas próximas a mim, mas desde já alerto: enganam-se àqueles que acreditam ser esta uma decisão irrefletida e casuística. Meu relacionamento com o Partido dos Trabalhadores, em especial com os companheiros do diretório de Maringá, dá-se a pelo menos cinco anos. Neste período, marcado por um forte questionamento de minhas posições, foi ficando cada vez mais evidente as identidades (e diferenças) de minhas convicções para com a dos companheiros e companheiras do PT quanto a método e estratégia. Hoje, após esse processo muitas vezes doloroso, posso afirmar que existem mais identidades do que diferenças frente as posições do partido. Logo a decisão que anuncio não é nenhuma brusca ruptura, mas uma consumação.

MINHA HISTÓRIA

Comecei minha vida política no Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado – PSTU no ano de 1995 e permaneci até o ano de 2001 enquanto militante. Atuei no setor de juventude, primeiramente, ajudando a organizar o grêmio estudantil do Colégio Juscelino Kubitschek de Oliveira e, posteriormente, no DCE-UEM.


Construí neste período minha opção pela classe trabalhadora; minha confiança na infinita capacidade do ser humano em superar suas limitações; a convicção na necessidade da construção de um partido classista, democrático e de massas; que seja um instrumento de transformação social, capaz de organizar os oprimidos contra seus opressores a fim de construir uma sociedade mais justa e igualitária, em que homens e mulheres alcancem a mais plena liberdade, em todos os sentidos que este termo possa significar.


Durante a execução das atividades do PSTU conheci pessoas maravilhosas que muito contribuíram em meu caráter. Sem sombra de dúvida, ter conhecido minha companheira, Francieli Bonato, foi a mais grata contribuição. No entanto, não poderia deixar de citar a influência de Sergio e Edmilson quanto à disciplina e construção partidária; Diego e Inês quanto formação teórica e as deliciosas discussões sobre os escritos de Marx, Lênin e Trotski; assim como Laura e Rosangela quanto a difícil relação indivíduo e organização partidária.


Através do PSTU conheci companheiros valorosos que deram, neste período, significativa contribuição para o movimento estudantil de Maringá, e do Paraná, companheiros como Marcela, Rogério, Ana, Pierre, Junior, Diego, Fernando, Rodrigo, Luciana, Fabiana, Jaqueline, Marcelo, Ottacilio, Cleber, Cleiton e Bianco. Ao lado deles tive experiências que sobrepujaram em grandeza meus anos de academia. Vencemos as eleições do DCE de 1999/2000 e nos reelegemos em 2000/2001, colocando para fora uma corja de gangsteres que controlavam o movimento estudantil da UEM. Participamos decisivamente na construção das greves nas universidades estaduais do Paraná, nos anos de 2000 e 2001/02, onde pude verificar a viabilidade da ação direta por parte dos trabalhadores na ocupação da reitoria, no cancelamento do vestibular e na ocupação da radio universitária. Auxiliamos na reconstrução sindical do Sintemmar. Lutamos bravamente contra a privatização da Copel, chegando a ocupar a Assembléia Legislativa do Paraná, impedindo temporariamente a vergonhosa votação que autorizaria o executivo a vender o patrimônio do Estado. Sofremos juntos com o acidente do microônibus da UEM, sobre o rio Ivaí, ao qual levou a morte nosso querido “Cantagalo”. Marchamos justo sobre Brasília na famigerada “Marcha dos 100 mil”.


Enfim, tenho um apreço inestimável por este período, considero-o um patrimônio de minha vida ao qual credito minha formação enquanto militante político e enquanto pessoa.

PORQUE SAIR?

Apesar da história que tenho no PSTU, ao qual me orgulho sobremaneira, minha saída vem sendo refletida a algum tempo, objetivamente desde minha experiência no governo do saudoso José Cláudio. Atuar no governo municipal permitiu-me identificar as contradições de classe inerentes ao Estado, as relações de poder e hegemonia, as vicissitudes existentes na relação entre os poderes, mas principalmente permitiu-me identificar uma importante contradição na prática política do PSTU, qual seja, a negação da possibilidade de obtermos avanços importantes para os trabalhadores dentro dos marcos institucionais do capitalismo.


Grosso modo, a minha militância no PSTU orientou-se principalmente por alguns princípios: o centralismo democrático, como forma de organização partidária; o programa de transição e a frente classista de esquerda, como pressuposto tático para a atuação política e sindical, e por fim, a revolução (socialista) permanente, como marco estratégico. O intuito final é transformar o partido em uma organização de massas que possa incidir sobre os rumos do movimento social. A combinação desses pressupostos leva o militante a constantemente buscar a mobilização das massas para a ação direta. Tendo o partido a tarefa de encontrar palavras de ordem que permitam mobilizar os trabalhadores a partir das contradições da realidade cotidiana.


Observei que esse processo tornara-se circular, a cada nova palavra de ordem construída faz-se necessário outra, levando a que muitas análises tornassem-se simplistas e formatadas dentro de um modelo pré-concebido de crítica. Particularmente, isso me incomodou quando do início do governo Lula as críticas oriundas do partido eram por demais duras ao um governo recém empossado! Com o tempo, minhas diferenças com o partido foram ficando mais nítidas principalmente a partir das críticas feitas por este ao Programa Fome Zero, ao Bolsa Família, ao PROUNI, aos argumentos para a ruptura com a CUT e UNE, e, por fim, no comportamento assumido no processo eleitoral de 2006, nem tanto pelo PSTU, mas pela frente classista formada juntamente com o PSOL e PCB, ao qual, na minha avaliação, assumiu uma postura, no mínimo, infantil frente à Lula, concentrando-lhe todos os ataques e arrefecendo a crítica ao inimigo comum expresso na candidatura Alckmin. Uma crítica moralista ao PT, muito bem utilizada pela mídia, em que me lembrou muito o debate entre Bakunin e Marx sobre a atuação parlamentar dos partidos da 1ª Internacional. Definitivamente a crise de 2005 e as eleições de 2006 foram marcos importantes na minha decisão, pois não encontrava mais ressonância entre minhas opiniões e as posições do PSTU.


Considero que a base dessa contradição está no método de como o PSTU opera a tríade centralismo democrático – programa de transição – revolução permanente dentro de uma concepção ortodoxa de militante/partido, classe trabalhadora, frente classista e revolução socialista. Não querendo exaurir este tema, (que é o debate deste século para a esquerda), mas a ortodoxia do partido leva a uma lógica dicotômica em que somente com a ruptura do sistema capitalista, pelos trabalhadores, poder-se-ia ter avanços sociais consistentes. Qualquer avanço fora desses marcos seria fugaz. Há uma desconsideração, de importantes avanços obtidos dentro dos marcos da institucionalidade tais como o próprio Plano Real! Não admitir concretamente a possibilidade de avanços, sem necessariamente por meio da ruptura, leva o partido a se distanciar dos trabalhadores e explica, em parte, o fato de em 10 anos o PSTU não conseguir ampliar seus quadros dirigentes e não conseguir ter bom desempenho eleitoral.

PORQUE ENTRAR?

Como disse anteriormente minha decisão de ingressar no PT se consolidou no biênio 2005/2006. Na época, muitos companheiros, inclusive do PT, avaliavam que era tático impor uma derrota no 1º turno ao grupo hegemônico do governo, com o intuito de mudar os rumos e aprofundar avanços para a classe trabalhadora. Concordei com o princípio da tática, mas rapidamente percebi que seria extremamente arriscado: a reorganização dos setores mais reacionários do país junto à candidatura Alckmin, auxiliados por uma imprensa tendenciosa, poderia por em risco todos os avanços obtidos até aquele momento.


Além disso, pareceu-me bastante claro que a campanha de Heloisa Helena não visava à construção de uma alternativa ao PT, um novo partido com características de massas que recuperasse o melhor da tradição de esquerda construída pela classe trabalhadora brasileira, ainda muito expressa no PT, mas antes, tendia a ser uma campanha de diferenciação tendo como um dos objetivos principais a manutenção política de algumas personalidades públicas nacionais. Sinceramente fiquei extremamente decepcionado com a concepção do PSOL. Sempre tive a avaliação de que só valeria a pena sair do PT, no meu caso do PSTU, caso fosse possível fundir as organizações não petistas em uma única grande organização. Uma organização que se tornasse símbolo e referência aos trabalhadores, expondo métodos e concepções políticas diferentes sobre a estratégia comum de construir o socialismo.


Estava, portanto, numa situação em que não me identificava com o PSTU, nem cofiava no formato de construção do PSOL, meus olhos voltaram-se então para o PT. Este foi um momento difícil, estava na memória recente a crise de 2005, do “mensalão”, do caso “Waldomiro Diniz”, do dinheiro na cueca e de toda odisséia “hollywodiana” que marcou a 2ª metade do governo Lula. No entanto, percebi que toda a crítica ao PT, inclusive a feita pelos companheiros que construíram o PSOL, fundamentava-se basicamente na análise do comportamento individual das lideranças do PT. Nos erros de conduta desses dirigentes, mas não tinham uma crítica de fundo sobre o processo ao qual o Partido dos Trabalhadores passava. Uma crítica pautada pelos humores dos editoriais da grande imprensa.


Iniciei minha reflexão sobre aquela crise com a proposta de não cair na armadilha moralista do bem contra o mal, buscando entender toda aquela efervescência como um processo único. Compartilho da avaliação de muitos que parte da crise foi um efeito midiático. Produzido pelos meios de comunicação para desgastar o governo e o PT. Objetivamente, os ataques orquestrados pela mídia não tinham o intuito apenas de desgastar o governo Lula, mas antes de desmoralizar o PT enquanto organização. Caso obtivesse sucesso em sua empreita, a burguesia brasileira não teria apenas acabado com o governo Lula, mas com um importante marco da classe trabalhadora.


Contudo essa explicação não é completa. Cabe levar em conta o processo político brasileiro, a relação incestuosa entre o Executivo, Legislativo e Judiciário, em que a formação de maiorias no parlamento se dá, muitas vezes, a partir do atendimento de favores privados. Esse viés clientelista de nossa política é muito forte e historicamente construído, no entanto deve ser relativizado. Democracias mais maduras, como a estadunidense, institucionalizaram a figura do “mensalão” na forma de atuação dos lobistas e dos fundos de campanha. Para tanto basta ver como atuam as indústrias armamentista, do tabaco, da bebida, nos EUA na defesa de seus interesses junto aos “congressistas americanos”, financiando suas campanhas com generosas contribuições aos seus fundos em troca de contratos não menos generosos.


Neste sentido, minha conclusão fundamental foi: o PT foi julgado por jogar o jogo, o jogo da institucionalidade. Não estou eximindo o PT de uma avaliação criteriosa de seus erros, nem inocentando condutas individuais duvidosas. Nem tão pouco defendo a prática do realpolitik na ação institucional de um partido operário. Apenas estou contextualizando a atuação do PT, evitando uma crítica moralista e hipócrita cujo único objetivo é responsabilizar o partido por uma crise estrutural da política brasileira. Posso dizer que este processo de entendimento da crise me fez sentir vontade de defendê-lo dentro de suas fileiras, ironicamente, enquanto muitos companheiros faziam o movimento de saída do PT e iniciava meu processo de entrada: definitivamente foi um processo de amadurecimento.

Avaliando os motivos que me levaram a tomar a decisão final de ingressar no PT, considerei principalmente o fato deste ainda ser um instrumento para a melhoria da condição de vida da classe trabalhadora. Essa concepção está referendada pelos trabalhadores nas eleições que, mesmo com uma campanha de desmoralização nunca vista, Lula venceu Alckmin. Caso ocorresse o contrário, não seria apenas Lula que teria sido derrotado, mas toda a classe trabalhadora. Logo o PT representa um elemento civilizatório de nosso capitalismo desigual e dependente. Um partido de massas que apesar de suas contradições concentra os melhores quadros políticos e intelectuais de nossa sociedade. Atualmente, não é possível pensar a (infante) democracia brasileira sem pensar no Partido dos Trabalhadores e sua relevante contribuição tanto para a democratização do país, quanto para a democratização da América Latina. Um partido que agora tenho orgulho de dizer que faço parte e, talvez, o mais importante patrimônio construído pela classe trabalhadora brasileira desde a consolidação do capitalismo em fins do século XIX.

QUAIS AS PERSPECTIVAS?

Ao ingressar no PT assumo a responsabilidade de buscar construí-lo como partido de massas, trazendo para suas fileiras os principais quadros dos movimentos sociais. Essa responsabilidade perpassa a buscar entender as contradições que hoje aflige o partido, seus dilemas, agindo sempre no intuito de mantê-lo na direção do referencial estratégico que é a construção do socialismo. Compreendo este marco estratégico como sendo a luta contínua pelo fim imediato da pobreza absoluta, a consolidação da mais ampla democracia popular no Brasil, a defesa pela autodeterminação dos povos, a contínua politização dos trabalhadores com a organização do partido em todas as camadas populares, a reorganização da militância e o combate à burocratização. Hoje, tenho dúvidas quanto a capacidade de efetivação da revolução socialista clássica nos moldes soviéticos, mas não tenho dúvidas sobre a possibilidade da revolução social, é preciso que partido esteja preparado para este momento definindo melhor seus parâmetros.

A princípio considero que a construção dessa revolução social passa necessariamente pela melhoria da condição de vida de nosso povo, com redução das desigualdades sociais. Passa por uma intransigente defesa da democracia com participação popular como instrumento de transição para a construção da democracia direta. Passa pela construção da organização dos trabalhadores assim como pela construção de governos populares que garantam a redistribuição de renda e redução da miséria (não se discute política com famintos, com famintos se mata a fome). Passa, enfim, pela construção de uma organização partidária sólida com clareza de seus princípios e estratégias. Nesta perspectiva, companheiros e companheiras petistas, tem-se muito trabalho por fazer.

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